Ontem meu pai chegou em casa vagaroso, um pé atrás do outro como se cada um fosse um tremendo esforço. Chegou três horas depois do horário de costume, mais cansado que de costume, quieto como raramente e um tanto lento. O dia foi uma batida. Corrido, agitado, cheio de compromissos e problemas pra resolver. Cheio de discussões e telefonemas e ordens e tarefas. Ele contava, enquanto tirava a camisa devagar e parecia cansado até para o banho, que teve de ligar a não sei quantas pessoas e fazer não sei quantos rearranjos, que tinha o pepino nas mãos e que era responsável pela resolução da maior parte das confusões que aconteceram. Tirou os sapatos como se nunca tivesse ouvido falar da palavra pressa ou mesmo como se só fosse familiar com a lentidão e foi-me contando sobre o desenrolar do dia entre grandes inspirações e expirações. Disse, como se não fosse grande coisa, que saiu de casa apressado e por isso não tomou café da manhã, que teve que resolver mal entendidos e não teve tempo de almoçar. Quando me choquei e perguntei como tinha conseguido ficar em pé ele respondeu, num tom conformado, que tomou alguns copos de café durante o dia e comeu alguns biscoitinhos em recepções de hotéis ou entre um compromisso e outro. Quando lhe perguntei se queria que preparasse alguma coisa para o jantar, disse que a própria fome e o cansaço já o tinham alimentado, e que a vontade de comer tinha ido embora. Engoliu um ou dois pedaços de pão e foi dormir com um ar irônico, fingindo não saber que os dias seguintes seria a mesma coisa até que o problema central, gerador daquele emaranhado de complicações, fosse resolvido, afinal, ele era o responsável por gerenciar o pessoal, coordenar ações e dar conta do que só ele podia fazer. Já eu fui dormir com um ar de curiosidade e a certeza de que ainda quero ter dias e responsabilidades assim.
quando cheguei ao final do texto fiquei pensando como gosto de ser seu amigo. sabe quando vc lê algo e identifica totalmente a pessoa no algo escrito e fica sorrindo com cara de bobo? mais ou menos isso.
ResponderExcluirte amo, beto.
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