31 de julho de 2008

Jamais será possível ter tudo

Por vezes sinto muito pelos meus leitores que não me conhecem o fato de que alguns outros o fazem. Isso porque limito o que vou dizer pelo fato de me conhecerem e me verem dia seguinte e me quererem bem ou não, e saberem ou não o que anda dentro de mim. Isso me incomoda às vezes, hoje. Hoje não queria que meus conhecidos me lessem. Que me descobrissem, me sondassem, me revelassem. Hoje não. Hoje queria cantar para meus anônimos as tormentas insignificantes pelas quais passo, tão ridículas e medíocres, tão fazedoras do meu mundo. Quereria contar do mundo ao redor do meu umbigo sem pudores e amarras, sem amarras, sem laços e duplos sentidos. Queria usar nomes e dizer as impressões todas, sem dualidades e fingimentos. Não queria, no entanto, contar toda a história de tudo o que tenho a dizer. Gostaria de contar só o interessante e interessado, para fazer virar os ouvintes todos a meu favor. Não quero agora nada que não seja a meu favor. Não quero olhos que vejam o outro lado da história, ouvidos que ouçam o que não dei atenção, línguas que me revelem novas perspectivas, mãos que se deitem sobre as minhas pedindo que me acalme. Não quero. Hoje quero que me ouçam e me aplaudam e me digam que é mesmo melhor que eu mergulhe em mim e nas minhas vontades, que seja louca e inconsequente, e respeite o que quero por querer simplesmente porque nunca dou atenção suficiente ao que quero com os olhos vendados. Hoje quero que me aninhem os cabelos sem intenção sexual e que de repente me tomem pelo pescoço e me beijem por beijar, por ser eu ali, por beijarem a mim. Que me beijem sem amor, sem amor, nada de amor. Corpo. Que as coisas sejam preto no branco, preto no branco, e ninguém se sinta usado, ninguém deveria se sentir usado se no fim o tesão é mútuo. O amor tem um jeito todo seu de estragar o desejo até quando o aumenta. Queria sentar em mesa redonda, quase como uma escritora sendo entrevistada, uma pessoa bem vivida contando as sutilezas de suas pisadas, pessoalidades, mentiras, verdades, tanto faz, contar algo, ser perguntada, ter o que dizer mesmo que não se tenha ido a lugar nenhum além do espaço que de tão imenso chega a ser ridículo entre uma ponta e outra do cérebro. Queria morrer. Nos braços de um desesperado e terminar com um sorriso, a nota final egoísta de quem soube viver sozinho e arrastar atrás de si rostos que se acham belos e que perpetuarão sua (falsa) beleza. A propaganda boca-a-boca é uma desgraça, é uma praga.
Queria não esconder o rosto por conta das pessoas que me querem melhor que as outras que não me conhecem e só me parasitam, coisa linda as pessoas que me parasitam, egoismo lindo de observar de longe confusões alheias e achá-las belas, ou não, mas achá-las, procurá-las. Queria contar com detalhes minhas podridões de alma, meus mais feios e corruptos sentimentos, minha mais sincera vontade de perpetuação de condições vis, meu chicote que me maltrata e que, no entanto, não jogo fora. Meu desejo, meu tão inflamado desejo pelo que não me quer, nem me conhece, pelo que não conheço e talvez também por isso queira. Meu desejo que me arrasta tanto pelos cabelos, e minha felicidade escrava de eles não desgrudarem da cabeça com tanta facilidade. Minha tortura medieval, consciente e dilaceradora, meus dias secos, cascas de árvore de cerrado, onde moro, esses troncos retorcidos, meu tronco retorcido, minha visão retorcida, meu desejo retorcido. Meu extremismo tão extremado, a beleza e a feiúra dele, meu amor errado, pelo que me ama em medida diferente, em auto-estradas diferentes. Minha não possibilidade de cumprimento de expectativas, essas expectativas cruéis e desalmadas. O amor cruel e desalmado. Meu amor; meu amor rouco, sincero e louco, que pede tempo por precisar, e dá desculpas comuns que ainda se fossem desculpas seria melhor, mas são verdades. Verdades comuns. Verdades comuns. Cara de desculpa e coração vil. Coração duas caras. Duas caras e a necessidade da escolha de uma. A demora da escolha de uma. A loucura que só a demora causa. A tranquilidade que só o desespero traz. A reviravolta imprevisível que só o desespero traz. O desespero traz e é trazido. Minhas unhas sem esmalte, minhas unhas nas cordas, minhas unhas nas coxas, minhas unhas nas costas. Pele e curvas. Olhos fechados fingidos e abertos em êxtase. Saber ser vista vendo o outro. Querer ser vista vendo o outro e o prazer de fechar os olhos e poder morder. Poder morder. Ter o ombro mordido, tão lindamente mordido, achar linda a dor, linda a dor, linda, linda, pernas fantásticas e bunda desejável e desejada, muito desejada, abraço dentro do casaco, blusa social larga, cabeça perfeitamente encaixada na curva do pescoço, mão estirada grudada na perna, louca, e o pescoço que morre na perfeição do encaixe, abraços por trás, 'dou dois', refreio do desejo, ligeiramente mais baixa, incertezas, golpes no escuro, beleza do escuro, procura de oportunidade, breves certezas de que da outra via também vem carro, da outra via vem carro, 'há pessoas pelas quais me sinto muito atraída', dizer isso duas vezes, olhar no olho, fica a dica, 'stay de dick', mainly stay the small dick no momento, muito stay the small dick no momento, ligar-se na tomada com uma facilidade incrível, linda e incrível e de fato muito veloz, sensualidade, estilos de roupa, ser algo, mostrar-se, viver, querer, querer dois, esperar, poder esperar, amar, amar erroneamente a pessoa certa, amar erroneamente a pessoa errada, amar certo a pessoa errada, querer muito e desmedidamente, romantismo com quem não devia, atenção ao sexual, muita atenção ao sexual, sexo, sexo, sexo, sentir-se fora de lugar, sem jeito, sem querer estar ali, não querer estar ali, querer estar ali, querer que estejam ali, querer, querer, entrar no banheiro, querer, conhecer, gostar, sentir, sorrir, abrir olhos, sair, estratégias temporais, sorrisos abertos, abrir portas, não fechá-las, explorá-las, explorar-se, não encontrar-se, encontrar-se, assustar-se, legitimar-se, amar-se, amar-se no ódio, na saúde e na doença, refutar religiões, sentir-se oprimida, padres e pastores de mãos dadas louvando com o povo, sentir-se oprimida, sentir-se muito oprimida, precisar de comprimidos, comprimidos em formato de corpo e com nome de gente, sentir falta, sentir muita falta, confundir mentes simples com expressões de posição e sentimento, como há mentes simples, seu mundo não é o mundo, amar muito, querer muito, querer um só quando o artigo é masculino, só poder ser um se o artigo for masculino, ligar, mandar mensagem, sentir falta, gostar muito, gostar horrores, amar, querer perto, querer muito perto, também dentro, já estar dentro, querer dentro, sentir sua pele, ver o sorriso depois de algo, lembrar da respiração enlouquecida e da nítida necessidade de refreamento quando da descoberta de covinhas de costas, um pouco de medo, precisar ir ao médico, minhas pessoalidades, necessidade de respeito, necessidade de espaço, necessidade de começo de semestre, necessidade de presenças e desenvolvimento de relações interpessoais várias,,,.
Todas essas coisas que tento mostrar, só que sem máscara.

30 de julho de 2008

O porquê da continuação

Pele, curvas e a descoberta de mais.
E o querer.

23 de julho de 2008

Um papel não é um canteiro

Não há propósito, nessa vida, em escrever coisas felizes. Não há propósito em colocar flores em papel, flores jamais são tão bonitas fora da terra. Não há propósito em amar na folha, há só propósito em amar a folha, o eterno incesto de amar a folha. É por isso que não escrevo coisas bonitas. Escrever bonito não é libertação. Escrever bonito não me faz chorar, nem me faz renascer, nem me faz amar. Escrever bonito me enoja. É quando então vomito que resolvo ir ao papel. É quando me acho de uma feiúra tão intensa que me levam para de frente do papel, e me amarram a mão em qualquer coisa que risque e me deixam para morrer no branco. E então canto, e choro e choro mais que canto, pois que só canto no fim do choro, e o fim é sempre breve. O fim não sacia. O fim não sacia nem as tristezas, nem as felicidades, o fim é uma invenção para que exista um começo, mas não há começo senão o trauma inicial e esquecido de nascer. E é bom que eu tenha esquecido o trauma de nascer - ainda que não o quisesse - pois que assim tenho toda a memória para gravar na retina o trauma de viver. E que trauma, que trauma! e é pena que não posso morrer nesse eterno êxtase de viver, é pena que não posso, e não posso pelos outros. Por vezes, muita vezes, quase todas, gostaria que não me quisessem como sou, que não me quisessem assim, para que pudesse renascer sempre que conveniente, para que pudesse de repente querer morrer e desistir quando desse-me preguiça de fazer o nó da forca. Queria que não me estimassem, nem me quisessem por perto, nem me tivessem apreço para que eu pudesse ser como os perdidos no mundo, os únicos achados. Gostaria de morrer no êxtase eterno de se viver livre. Mas também, aos poucos, não acho que eu queira ser livre assim. Assim, de tal forma que não me queiram, nem me apreciem, nem me queiram por perto, nem me queiram matar. Quero mesmo é fazer o que quero, e poder ser paradoxal, mas se fazer o que quero é condicionado pelo que sou e pelo que fizeram de mim, não sou então livre. Não sou livre, nunca fui, nem serei. Dirão por mim, depois que os vermes fizerem festa em minha carne, o que fui. Definirão-me de acordo com seus bel prazeres, com seus fetiches e suas memórias dúbias. Recriarão-me da terra, mas não me farão podre. Estarei já osso, mas farão-me recheada e altiva, bonita como seus quadros preferidos, e aposto que são Monets, e gosto de Munch. Farão-me tão bela que, debaixo da terra, terei nojo e não quererei jamais deixar o subsolo. Estarei ali esperando que venha algum pobre amigo solitário e se sente sobre meu travesseiro de pedra e ria, ria muito, ria gostoso, toque algum rock no violão e brinde com uísque. E depois deixe que venha uma passeata chorar sobre minha casa e crer na minha santidade. Enunciarão versos tão puros que tentarei fechar os ouvidos, e discutirão inscrever "Foi poeta, sonhou e amou na vida" em meu quadro negro. Não me conheceram, não me conhecerão, e me chamarão de amor e companheira e querida e eterna, sem saber que quero dormir para não acordar e que não quero sequer lembrar quem são. E quererão, como já disse, escrever coisas bonitas. Então digo agora que escrever coisas bonitas não tem propósito. Não há porquê humilhar aos outros com nossa felicidade tão radiante que não nos foi possível mantê-la em nós: foi necessário soar trombetas e soltar serpentinas. É certo que por horas isso é bem necessário, mas só o digo por obrigação de expiar futuros pecados. Escrever floreios é mera humilhação em praça pública dos corações desgastados. Ninguém precisa ler beldades. Ninguém precisa de um dia feliz para os outros a não ser que o outro tenha nome e viva perto e seja querido, e ser querido, argh, consegue ser um inferno. Jamais escrevi para alguém querido. Escrevi já sobre queridos, mas jamais para eles. Escrevi, sim, para mim e por mim, pela necessidade de cuspir feiúras que por hora pareceram belas - as feiúras têm essa mania de se mostrarem belas para os outros. Escrevi porque parecia o peito um antro repleto por demais de mim, e então quis sujar também os outros, sabendo que hora ou outra seria tida como bonita.
Então quero logo deixar claro que se em tempo virem qualquer coisa colorida - que não seja de vermelho -, perdoem minha humanidade de querer humilhar as almas em dias tristes e torçam, se parecer melhor, que logo esteja humana em demasia, e possa então cuspir feiúras em paz.

21 de julho de 2008

Ver beleza na senhora de branco, do outro lado da mesa, arriscando coisas da minha vida

Medos antigos de leituras de mãos e jogos de cartas, de donas de branco sentadas à mesa lhe contando o que é que se pode fazer da sua vida e das suas confusões do momento andaram se desvanecendo nos dias que se passaram. Não que tenha refletido muito sobre isso, mas o pouco que o fiz desconstruiu um medo de anos. Receio não, um medo mesmo. Um medo contraditório, por sinal. Porque por que era que eu teria medo de algo no qual não acreditava?, cuja força eu desmerecia?, cujo potencial eu achava, em talvez larga medida, aproveitador? Pois que talvez nem seja tão aproveitador assim, talvez nem seja, e agora meu medo é curiosidade. Curiosidade pura de querer saber o que me diria a senhora caso eu sentasse na frente dela, ela com aquelas roupas brancas, me dando conselhos sem me conhecer. Curiosidade de saber que efeito aquilo faria em mim, o que eu faria, no que acreditaria, se em mim, ou fora de mim, ou no fim.
Desde que ela me contou, na mesa do bar, e quis saber minhas opiniões sobre o acontecido, desde aquele dia, escondido em algum canto, a morte do medo e o nascimento da curiosidade de saber o que mais que há além do meu preconceito e da minha descrença. Queria até conversar mais consigo sobre essa minha nova meia-resolução e saber o que ela me diria; não que ela tenha domínio algum sobre o assunto, nem sei se tem, mas é que faz tempo que não converso consigo e então procuro qualquer tema, e esse então, tão pessoal, parece capaz de juntar minhas extremidades e as suas.
Também mais pessoas me instigariam a curiosidade nesse sentido e me fariam buscar sentido naquilo que eu desmereceria como desimportante, vago, mentiroso. Sou muito de desmerecer coisas na minha pretenciosa loucura.
Coisa bonita querer mudar assim não tanto por querer, mas por já ter mudado; sem saber, fingindo não saber.

16 de julho de 2008

Eu não quis cantar, mas Gal insistiu

Não me venha falar da malícia
De toda mulher
Cada um sabe a dor e a delícia
De ser o que é‚
Não me olhe como se a polícia
Andasse atrás de mim
Cale a boca
E não cale na boca
Notícia ruim
Você sabe explicar
Você sabe entender
Tudo bem
Você está, você é
Você faz, você quer
Você tem
Você diz a verdade
E a verdade‚ o seu dom de iludir
Como pode querer que a
Mulher vá viver sem mentir.

15 de julho de 2008

Deveria ser mais simples

Um pouco desbotado de esfregar, é como o deixei. Vermelha de vergonha e dor, negra de hematomas e necroses, amarela de tempo e nervosismo e medo, laranja de medo e vinho de preocupação. Rosa na linha das cicatrizes, em especial essa no dedão, que cortei tentando limpar a tesoura. Pouco sutil, muito pouco, nunca o sei ser, sou falha, tão falha, pesada e desarrumada, sem compostura, pudor ou piedade, sem piedade, eu vivo sem piedade. Ríspida comigo e com meus olhos e palavras e mãos, sou cortante, afiada, preocupada e preocupada com o excesso de preocupação. Mas nada leve. Nada de brisa de fim de tarde ou de água no pescoço. Algo mais como um filme pesado de drogas, essas minhas drogas venenosas misturadas no meu veneno infantil, medroso, limpo e moral de não me drogar. E a frustração que faço os outros sentirem por ser racional e razoável e dar poucas brechas a ódios. Minha injustiça de ser cautelosa e zelosa, e ter medo da dor dos outros. E a dor vem. E a legitimidade do ódio ao agressor poucas vezes existe, muito poucas, nem eu me odeio, mais me amo.
Também o que mais amo além de mim? Algumas outras pessoas e cores, sabores e licores, licores sim, que "santa Europa" é novo lema. Santa Europa é engraçado de se dizer, mas é até compreensivo. Que meu nome poderia ser outro e minhas linhas também, na realidade minhas linhas são, inclusive as do rosto. A foto da identidade não sou eu, como elas disseram, e eu não sou meu esboço antigo, ô esboço precipitado e deformado. Que eu hoje sou o resultado da minha convivência com o espelho, tirando a venda. Ainda estou à venda, ainda sim, estamos todos, inclusive os outros de telencéfalo desenvolvido e polegar opositor que se acham lindos e divinos filhos de Zeus. Estou à venda e estou aberta, brincando inconsequente e dando créditos errados, inclusive sentimentais, sexuais e psicológicos, por onda de não pensar com a cabeça. Juro que me quereriam em algumas situações diferentes dessa de agora, em momentos de vida diferentes, por sinal essa de momentos de vida diferentes tem sido uma lei onipotente e presente nos meus anéis - sendo eu, aqui, considerada Saturno.
Eu agora, meio querendo ser vinho tinto de encontro amoroso e cerveja de ressaca, penso se para o encontro amoroso seria tudo bem se eu acendesse um cigarro depois do sexo, e se para a ressaca seria tudo bem se eu quisesse ficar mais. Se para o encontro amoroso seria bom que eu chamasse mais um, se para a ressaca se eu quisesse ficar a dois. Estou com valores invertidos, muito invertidos, de tal forma que minha fileira de dominós deixará em pé exatamente quem não se importa tanto se a fila cair. Quem não sabe que há fileira. E eu que, menina de cinco anos, faço isso em busca do que há de mais eu e de mais feliz em mim, tenho medo, bastante, de não achar nada e perder o que já tenho. É lógico que tenho esse medo, quem não tem, quem não tem? Não dou valor quando perco, odeio esse ditado que cola nas pessoas, essa tara pela consciência tardia e comum de quem quer o que não soube ter. Não soube ter porque no momento não sabia ter, não soube ter porque no momento não me era o que eu via, o que precisava, o que amava, o que apaixonava. E posso me apaixonar. De certo que posso. Muito que posso. Talvez já esteja começando. Só é necessário escolher. Para as duas escolhas, diria um pouco "maldita hora". Para as duas, sim, para as duas. Odeio mais que tudo tudo o que crio partindo da minha boa e velha imaginação e das minhas canetas, tão tentadas a fazer minha vida dinâmica para honrar meu papel.
Por que é que me amam, por que é? Sou tão inexperiente. Mas também "não tem mistério não, é só teu(meu) coração que não te(me) deixa amar". E esse limbo que agora me ama, esse limbo que agora me agarra e não me deixa sair, esse não estar nem lá nem cá que insiste em me ter me arrasta pelos cabelos, nada sensualmente, e me deixa sentada na cadeira, terça à noite, falando do que não é, nem será.

14 de julho de 2008

Eles têm razão

quando vêm dizer que eu não sei medir nem tempo e nem medo.

12 de julho de 2008

"Teste para atriz" ou "Escolha o título"

Jaqueline deixou-me esse fim de tarde. Arrumou as malas com suas calcinhas e roupas e sapatos e cosméticos e trancou a porta na saída. Deixou os cds que não eram seus favoritos e alguns rascunhos de coisas que ficaram por fazer. Borrifou meu travesseiro com seu perfume exageradamente doce e colocou pasta na minha escova de dente pela última vez. Levou consigo alguns quadros, raras fotos, alguma memória involuntária, mapas do meu corpo, cigarros do meu maço para ter com quem conversar e até mesmo a abotuadura vinho da qual particularmente gostava. Ligou para mim às 18h27 e desligou logo em seguida, acordando para o automatismo com ligeira relutância. Chorou na porta do banheiro para não dizer que despedidas são naturais e conseguiu convencer-se. Caminhou aqui e lá fingindo não saber o que fazer, parecia uma barata tonta, encenava uma barata tonta. Quis crer não viver sem mim e pela beleza da cena fingiu querer e resistir a jogar-se da janela. Depois voltou ao banheiro para refazer o contorno a lápis dos olhos. Retornou à sala, sentou-se no sofá como Senhorita Rosa e fumou um cigarro com as pernas cruzadas. Lembrou que me chamava de 'grande amor' e riu pelo nariz, soprando fumaça. Passeou de braços cruzados, olhando as fotos na parede e debochando de nossos rostos em algumas. Tornou-se, apagou o cigarro no cinzeiro com o mindinho erguido, colocou alguns livros sob o braço e deixou-me um adeus no computador, sem beijo na tela.

10 de julho de 2008

8 de julho de 2008

Nada de memorizações

Das coisas que mais gosto procuro não decorar as formas, nem os nomes, nem os os refrões, que é para poder dar-me sempre a graça de me surpreender.
Edward Hopper, Nighthawks

6 de julho de 2008

Preciso mesmo de uma resposta

Quando vocês vêem uma cena num filme e gostam muito (me refiro principalmente a diálogos), vocês gostariam que/achariam bonito se ela acontecesse na vida real ou só gostam porque no filme tem todo um clima, uma trilha sonora, um roteiro bem escrito, etc, e se ela acontecesse na vida real achariam estranho?
por favooooor, procurem responder esse post! hehehe

5 de julho de 2008

Que fantástico, quase utópico

"Amor, meu grande amor, me chegue assim bem de repente sem sentir o que não sente."

4 de julho de 2008

Vermelha e louca

Não era que não esperasse qualquer dessas coisas disformes que agora lhe diziam, nem era que se sentisse incomodada ao fato de serem incômodas; é característica do incômodo uma coceira atrás da orelha, mas nem isso sentia, nem isso, sentia sim uma letargia tão curiosa que não conseguia dedicar toda a atenção ao desmoronamento de seu próprio mundo, mas, ao contrário, apreciava a beleza com que não era levada a lugar algum. Ouviu o reque-reque daquela voz engraçada, como de um rádio mal sintonizado, e quase riu, não fosse a visão dos olhos negros à sua frente, que não sorriam, nem choravam, mas queriam, secretamente, que ela escolhesse um dos dois para fazê-lo, e melhor que fosse o choro. Caminhou as unhas pela lateral do próprio rosto e apertou os lábios como para dizer que não gostava do que ouvia, mas na realidade não ouvia, nem sentia o comichão atrás da orelha, na verdade achava curiosa a escolha das roupas do outro, que não pareciam seguir a linha da sua moda. Olhou para o celular para ver a que horas chegaria o fim, mas o fim não chegou, o fim não chegava, o fim se estendia e beijava seus pés e esperava ser pisado e deixado para trás, como fazem os amantes muito devotos, como ele queria que ela fizesse, e ela não prestava atenção, nem sentia o comichão atrás da orelha. Ao contrário, ela recriava a noite passada com extrema precisão, relembrando as cores e as dores, inclusive a dor da culpa de ser feliz. Ele, por sua vez, deveria estar dormindo com a secretária durante as horas extras que fazia, e ela masturbava-se no bar com os olhares das outras pessoas. Homens e mulheres lhe cruzavam a frente e a fronte, alguns ainda à vontade o suficiente para lançarem-lhe olhares com números de telefone, mas ela nunca ligava. Gostava do passar das pessoas e da crença na disponibilidade delas, mesmo que tivessem parceiros. Gostava de criar fantasias, às vezes mesmo no bar, mas vivia raríssimas, às vezes mesmo no bar, mas o objetivo não era vivê-las. Sentava-se de pernas cruzadas e sentia prazer em mostrar grande parte das coxas, mesmo que ninguém olhasse, mas todos olhavam. Aprendera a fumar pela sensualidade do ato e então fumava, acendia seu cigarro no banco alto do bar e bafejava nuvens de sexo ao redor de si. Não tinha unhas vermelhas, mas, àquela altura, mesmo que tivesse, todos os outros não a quereriam comer mais do que agora. Depois levantava, caminhava sobre o salto para a saída e ia, e deixava cair os cartões que lhe tinham sido entregues logo na soleira da porta. Mas ele continuava a explicar-lhe rios, esperando que ela chorasse rios, mas ela não chorava, e agora então era ele quem parecia à beira do desespero. Calculara tudo, meticulosamente, para lhe dizer no dia de hoje, nessa hora, sentados nessa mesa do bar, rodeados por esse tipo de gente, bebendo essas bebidas e olhando exatamente para essa paisagem, e tudo seria muito sutil e leve, ele seria delicado e explicaria com tranquilidade, e seria tenro, e seria belo, e tentaria suavizar o choque, mas ainda assim ela choraria, ela choraria, ela gritaria e lhe daria com a bolsa do corpo, o rosto vermelho, lívido, as mãos rijas, o corpo rijo, a cabeça rija, o amor rijo, vermelho, lívido. Mas ela não chorava. Acarinhava a boca do copo com o dedo do meio sem perceber e tinha o rosto levemente virado, sem encará-lo, oferecendo a orelha direita. Tinha o corpo descansado na cadeira e os braços leves, o cabelo descontraído e os seios subindo e descendo num ritmo calmo. O pescoço ainda cheirava ao perfume - que ele dera - e o batom ainda estava nos lábios. Ele lhe dizia agora com mais efusividade que aquilo era o fim, nada mais, mais nada, havia outra, havia outras, sempre houve, pelo prazer, pelo sexo, pelo mudar da rotina, pela aventura, pela podridão de seu caráter, pela podridão do caráter dela, pela podridão dos caráteres das outras, pela dor, pelo amor, por você, por mim, por nós, pela loucura, CHORE! Mas ela não chorava. Ele tinha os cabelos um pouco fora de ordem, a gravata levemente virada, os olhos arregalados. Samanta, Sofia, Alice, Laura, Márcia, Cláudia!, Sofia!, Samanta!, Laura!, Alice!, Márcia!, Sofia!, CHORE! Na sala, no escritório, no sofá, na cozinha, na despensa!, nos hotéis!, nos motéis!, nos bordéis!, CHORE! Segurou com força o copo e com dedos vermelhos virou-o rápido e o repôs com um baque na mesa de madeira. Enquanto você cozinhava, enquanto você sonhava, enquanto comprava, enquanto falava!, enquanto dormia!, enquanto sorria!, enquanto você corria!, enquanto morria!, enquanto você sumia! Por que você sumia? Por que você sumia? Eu te amava tanto, eu te amo tanto, volte. Não, espera, não vá. Não vá, não vá. O que foi que eu fiz? Eu conserto, eu me esperto, eu te quero, eu te espero, eu modero, não vá. Peça mais um copo, eu pago, do que você gosta? Não vá, espere, olhe, tenho o rosto vermelho, lívido, as mãos rijas, o corpo rijo, a cabeça rija, o amor rijo, louco, lívido, vermelho, estou chorando, não vá. Me questione, me grite o nome, me bata, me arrasta, me arrasa, me odeie, esperneie, não me deixe. Toma meu cartão, anota meu telefone, não some, usa meu sobrenome, me consome. Desespere, me rasgue a pele, me fira, transpira, espirra, agoniza, sofre, morre. Me odeia, me mata, me arrebata, me despreza, me tormenta, seu amor nada me acrescenta, só seu ódio me amamenta. Fique.
Ela ergueu o corpo com leveza, descruzou as pernas, apagou o cigarro e as nuvens de sexo e caminhou sobre o salto até a porta, hesitou na soleira e deixou cair o cartão.

3 de julho de 2008

É mais fácil amar que apaixonar-se.