25 de fevereiro de 2011

Passam sob mim, com lantejoulas e missangas, todos os pensamentos que perco, arranhando a camada fina da minha consciência cansada.
folheou, com dolorosa rapidez, um bloco de fotos que, se pudesse, teria consigo sempre. buscava evidências, sabia que havia. na verdade não era difícil, mas a rapidez foi, verdade, em nome da dificuldade: não era mais tão instantânea a identificação do amor.
Nada que poderia ter destino se destinou, e ficaram pernetas os caminhos que se pretendiam entre uma coisa e outra. Nada foi para mim, em nenhum lugar, e todos os corpos que tomaram lugar em meio ao desperdício de dia e noite tentaram se fazer presentes por uma ou duas temporadas sem importância. Em mim, pulsava qualquer coisa impossível e sem porquê, um amor que, travesti, era travestido, se transversalizava e, tendo transado, já não transava mais. As minhas pessoalidades se tornaram de tornado a um pequeno redemoinho de folhas, leve, brisante, desimportante, decepcionado, cansado, deselegante e deslocado. Todos os miúdos que não estavam em seus lugares não se erguiam nem abaixavam, eram pequenos autônomos zonzos em si mesmos, companheiros de longa data para longas datas. Meus rebuliços se abaixaram e o meu amor foi lentamente tomando o seu curso, para seu lugar de direito, à diferença de que agora jjá não existiam as suas coxas na coxia, nem suas coxas faziam mais diferença. À dureza da minha dupla personalidade, passamos, eu e eu mesma, a amar a mesma pessoa, e a sua pele desdatada suspendeu-se no branco que gostaria de ter. Não fomos, nem seremos, pela eternidade, o que poeticamente não foi. Não temos nome, não temos romance, e tampouco temos testemunhas, como havia de ser para o homem que em mim não nasceu. Todas as minhas paixões que teriam sido, se tivessem sido, não foram, nem agora guardam espaço na minha afetividade bem destinada. Tudo ruído se torna um desfoque de inexistência; todo ruído, nós dois, num só bolo de cabelo pertinho do ralo, com alguns nós de poeira molhada.
Nenhuma nota finalística teve a importância de ser. Não chegamos ao memorando de perda, ao fim do amor, à dureza de qualquer coisa que deveria ser dureza. A despeito da nossa loucura, da perda de sanidade corporal, lembraram-nos constantemente dos nossos trejeitos, dos nossos traços, dos nossos músculos e do tipo de roupa íntima que usávamos. A despeito dos nossos dedos ágeis, das nossas temperaturas e de alguns choques, não houve temperatura, eletricidade ou estática. Nada houve entre o céu e a terra que não vamos esquecer. Nada houve para esquecer entre o céu e a terra, nem o céu, ou a terra, ouvem.
22/11/2010