19 de outubro de 2015

O ponto de exclamação se encurva, e então lhe tiram a foto. Tanta posição para se tirar, estivera horas a imaginar se alguém lhe via esboçando as melhores posturas, os olhares mais misteriosos, os ares mais interessantes. E na exata hora que lhe solta o botão do meio da camisa, batem-lhe a foto. Viu o flash e, enfim, resignado com a sorte, esqueceu-lhe - motivo pouco para perder o dia. Passa-se um dia, dois, um terceiro, e como quem nada procura, depara-se com a foto. Vê-se, em total, uma interrogação. O olhar do outro congelou em dúvida a sua aparência. Olha-se então no espelho, investiga-se, tem a sensação de que continua o mesmo, mas a dúvida da forma se torna o conteúdo, e então a exclamação principia a duvidar. Reflete, no vazio, o quê. Busca intensamente o sentido. Não afirma, questiona. A dúvida da pertinência da dúvida absorve-a de tal maneira que a razão de ser da questão se torna metafísica, nada prática. Irrefreáveis jogos mentais; nunca, afinal, fora boa de questionar. Se não mudara na estrutura, isto estava concluído, como poderia uma exclamação se confundir com uma interrogação?! Confundia-se; e, ademais, lá estava a foto. A camisa, entretanto, continuava com o botão do meio, já fechado, bem posta em seu armário.

20 de julho de 2015

Acordo. Sinto o gosto inconfundível do seu sexo na minha língua, a ponto de confundir a clareza de que você não está. Vasculho os seus vícios pela casa, o café pronto, uma meia perdida, a roupa íntima na minha cama, não encontro nenhum. Estive transando a noite inteira com outras pessoas no meu sonho de ação, fuga e erotismo, e acordo com seu gosto - nada mais ridículo nem mais provocador para um desejo que só cresce. A julgar pela bagunça da casa, os amantes estiveram todos aqui.

25 de junho de 2015

O seu jeito revoluciona a minha mística; o meu silêncio você fala; as minhas expressões você engole. Em todo o meu corpo se revoluciona, parte essencial de mim, o meu frenesi infantil de desejos mil, os meus olhares inquietos que procuram nas ruas diariamente vazões, vontades, complementos fugazes da minha ambição plenamente vã, e pura. É puro o meu desejo total. Vício de vontade. Queima da combustão. Mas você entorta a minha ousadia, dobra minha fuga, afugenta minha distração. O mistério da sua sensibilidade confunde as minhas portas de saída, esgota a minha criatividade à toa a voar. Inteiro, um jeito liberto de não ter medo, um jeito calmo de não ter medo, quase uma resignação, mas uma intenção - muito clara, de mim. Nisso o meu fogo se canaliza, a minha distração desestabiliza e os sentidos se envolvem de você. Contra o mapa de orientação, mas plenamente a favor da bússola, o ponteiro treme enquanto acusa a sua direção.

30 de março de 2015

A sombra da sua forma, na curva escura da memória, é uma provocação irresistível. O mistério das suas horas é fonte de ilusão e do despertar da consciência irresponsável das minhas vontades vãs. Sou feita também de imaginação. Gosto, por ser, do desenho de desejos e confusões corporais maravilhosas, descomprometidas com o meu projeto de vida. Sou, dentre tudo isso, desejos de ser, brincadeiras de estar, vontades de novidades e de perigos mil. Riscos de vaidade, prazer de solidão no mar vasto do meu voluntarismo. Desejos à toa, para passar a hora da criatividade, para encontrar a volição da caneta, para ser, pode-se pensar, sem estar sendo... mas estar sendo por não pensar em ser. O caminho do ônibus, o chute de uma pedra na calçada, uma pessoa parecida, ou completamente diferente, uma chuva fora de hora ou muito menos que isso são convites de lirismo, com as personagens de sempre, para atiçar o ócio e os sentidos.