27 de outubro de 2013

Por ela ser alta, não consigo fazer mistério do meu olhar que lhe procura; lá em cima torna-se evidente a minha busca. Na linha reta, dou de frente com suas saboneteiras. Belas saboneteiras; juntam em dois montes de cálcio toda a intenção de descer à depressão vulnerável que lhe apresenta o pescoço. O pescoço, entretanto, é um passo mais à frente; sou uma moça tradicionalista.

Eu quero subir às curvas da intenção do seu rosto até descobrir que prazer ela esconde entre as maçãs e a menção do sorriso. Quero olhá-la para agradar meus olhos e a minha incansável imaginação... E neste intuito subo devagar os degraus da sua traqueia, certeira de que não me percebem; confundo meu destino entre o parapeito do queixo, o descortinado do seu cabelo e a opção de começar pela orelha. Começo desde já a me insinuar para mim mesma, faço rodeios, enceno jeitos, mexo o corpo e não percebo: eu toda vou acontecendo em sua direção sem me esperar. Mas de todo jeito acredito-me plenamente camuflada. Prega-me subitamente uma força supranatural; alguma parte de mim vê algo que meus olhos não enxergam, afinal à sua visão estou de fato mais perdida que cega em tiroteio. E este puxar que me atrai de dentro para fora carrega-me arrastada em direção à consciência, as imaginações todas põem-se a divertir-se de mim, eu mesma sem mais armas estou entregue à graça da minha nudez desvelada... Ainda num último suspiro de tolice, rumo aos seus cílios como se pudesse enganar a rota. Mas o mistério que eles enfeitam é tão voluptuoso que não encontro motivos para não ceder às contrações involuntárias que transformam o seu desarmar-me em um sorriso de autosatisfação.

23 de outubro de 2013

Retiro outras roupas, enfio o meu próprio puro risco. Não tenho a menor intenção de não ser eu. Sigo longa e ondulante, pareço vento, produzo na paisagem o assobio que a onda faz se esfregando entre uma matéria e outra. Esfrego-me sem evitar nem poder toda a mulher que a mulher em mim me fez. Estendo os meus horizontes inconsistentes até que a consciência consista em insistir em não saber. O que custa aos meus poucos anos arriscar?

22 de outubro de 2013

Não há prosa que rasgue na angulação que eu quero. As horas caminham-se com o supremo silêncio do mistério. O dia inteiro desconfia-se. Não posso dizer, nem de longe nem de muito perto do espelho, que passei incólume diante das inquietações imprecisas daquilo que não faço ideia. Estive, tantas horas, exatamente habitada e espaçada como o espaço entre as paredes da minha casa. Inventei ocupações, não pude acreditar em nenhuma. Tudo não foi nada; um dia inteiro prova que para existir basta estar existindo. O que me aguarda no canto da curva?, não arrisco a menor ideia.

9 de outubro de 2013

Estava há três horas com os olhos através da janela. Num suplício por calmaria, estagnara o corpo imaginando que a mente seguiria o mesmo ritmo, seguiu. Era contudo, não a mente que o sacudia violentamente molécula por molécula, mas o estômago, que nem pensamento tem. Não tem? Pensa. Chovia leve e congelava-se ao seu redor. Mexeu o dedo mindinho da mão direita com tanta sutileza que não sabia se havia mexido. O mexer, entretanto sabia-o muito bem, era reflexo muscular dos movimentos de ontem, que ainda hoje encenavam o desejo no imenso espaço aparentemente oco entre as costelas e o estômago. Seria o estômago, seria o diafragma desregulado? Seria. Tomaram chuva e ficaram por muito na sensação dos pingos, estando gripados por artifício da estupefação. Chovera bem em cima do diafragma e do estômago. Este último, bem habituado a não saber nadar, soluçava ainda. Mexeu a perna esquerda. Esta sim, reflexo do incômodo, ajustava o batente melhor no calcanhar, para assim permanecer se fitando na janela porquanto o corpo suportasse pensar sem pensar, sentir sem sentir, estar sem estar. Começou pelo pé da barriga uma fileira de tremor extensa, chegava quase às costas nos dois lados, e por então perturbar o que nas mulheres se chamava de cintura, imaginou-se violentamente feminino. Seguiu suas sensações até o estranho fingimento de um espaço vazio dentro de si onde poderia colocar o próprio pênis, e com agrado imaginou-se sentindo o que fazia às outras. Não era mau, não, ser mulher; não poderia ser ruim especialmente porque não era de fato. Sabia-as com a atenção de quem as deseja apenas pelo prazer de desejá-las e de causar nelas desejo. Quando via-o, contudo, por muitas vezes extremamente mais total do que seu desejo de despertá-lo, fugia, acuado com a força que deveria ser fazer apaixonar uma mulher. Nunca tinha acontecido, ao menos não que soubesse e definitivamente não propositalmente. Tinha medo de tornar-se refém dos mistéros inventivos e temporários de uma mulher tonta de vontades. Tinha medo de ali permanecer como aqui permanecia, imóvel longas horas, imaginando sem imaginar, viajando sem viajar, sentindo, definitivamente sentindo, muito embora sem sentir.

Tudo isso não lhe ocorria. Ocorria-lhe uma sensação suspensa entre o espaço da pele e o fim dos pêlos da superfície; entre o contato com a cadeira e o espaço intransponível dos seus elétrons e dos dela; entre o vento e a percepção certeira e decidida de um sopro, extremamente pessoal, que se fosse a brisa era ela mesma então quem judiava seu pescoço em plena terça-feira.

5 de outubro de 2013

Ouço-os comentar no apartamento ao lado como o envolvimento foi uma farsa. Não há saída para o fato de ele não prestar e ela ser infantil. Como não se pode ter destino este amor que na verdade se enganava todos os dias da possibilidade da eternidade. Deste relacionamento que por muito pouco não encontrou no papel passado a dissimulação da calmaria. Pois melhor ter sido assim, melhor ele fora da vida, melhor ele perdido, escondido, tanto faz, melhor fora dos olhos, envenenando vida alheia, sendo o homem sem caráter que a vida o fez. E melhor ela dar no pé mesmo, sumir de sua vida, melhor ela não dar as caras essa mulher infantil com quem quero tanto gritar e seguro, porque eu não sei, e quando a voz grita é porque não pude dizer de outro jeito. O espetáculo está armado no prédio de kits. As paredes são finas e o próprio envolvimento já nem tem mais um triz por onde estar. Todos nós estamos sabendo que não há mais futuro. Capítulos imprevisíveis deste desterro pipocam noite adentro, ou numa tarde qualquer. Todos os dias agora inauguram uma fúria nova. Ela acorda e escovar os dentes tornou-se algo inteiramente novo, o espelho imóvel irrita a insônia e o desaconchego. Encontrar uma cueca no meio da roupa para lavar! PORRA! Se for a dele, aí é mesmo o fim. Então inventa milhares de homens para esquecer seu jeito de transar e de lhe dizer coisas gostosas. Mas é uma merda, o sexo casual acaba com a casualidade do sofrimento, tudo parece um grande plano astral de miséria e lástima. Ele, ao acordar, gargareja o café e toma a água com sal. Cospe tudo, lembra dela, engole. Pensa na porra que não é dele, acha uma merda. Inventa mil mulheres, e supera a separação socialmente. Mas em casa, essa casa fria que não deveria existir, as horas são longas, os programas de tv são péssimos, o domingo deixou de ser um dia de descanso. Bem queria ele visitá-la para alguma coisa que não sabe o quê, mas ao chegar, violência!, e ele quer ir de novo sofrer sozinho. Como é mau buscar alento com o dono da faca.

4 de outubro de 2013

Imagino longas horas. Seus olhos, será que mentem, que falam a verdade? Imagino muito, longo, e mesmo assim não sonho, a estupidez inconsciente opõe-se a me dar o prazer das suas pernas na minha mão, da curva da sua barriga, para cima ou para o lado, do dorso maleável das suas costas entretidas em si mesmas. Vou-lhe desejando sem lhe levar a sério, sem seriamente levar o desejo.