26 de dezembro de 2013

Com o som de um suspiro, irrompeu Madalena pela porta fechada do quarto. Rafael dormia, de bruços, sobre seus metro e oitenta e sete com a mão sob o corpo, a entender que a repousava à proteção da sua virilidade agora inconsciente. O objetivo de adentrar assim o quarto no auge do silêncio da noite escapava-lhe à intenção renovada de inspecionar o seu corpo inerte na cama de madeira. O seu pé abraçava a cama pendido pelo fim do colchão, parecendo, entretanto, muito desperto a dar pequenas estremecidas de sonho. Sem destino, Madalena caminhava ao redor da cama sem muito o perceber, muito embora descrevesse estratégias a cada ângulo novo de fazer exatamente não sabia o quê. Rafael, a inspirar, arquejava costas que ela começava a desejar, e em enlaces de breu imaginava onde roçava, no mistério, o bico do seu peito na sua pele adormecida. Espantou-se, num instante inteiro, com a pomada sobre a cômoda, lembrando ser ela o alvo daquela visita imprevista às horas da madrugada. Pensou, entretanto, retirar seus roxos com outros roxos, com o roçar de Rafael sobre os seus pêlos espertos, sobre a sua pele suave e o desconhecimento desta atração fatal que se desenhava entre segundos na escuridão do desejo estendido. Madalena costurava em suas pernas as ousadias indescobertas de vinte e sete anos de si mesma.

12 de dezembro de 2013

Dentre todas as peças que movimentava em seu jogo de memórias, Laura mantinha-se particularmente atenta ao hipopótamo. Tinha muito boa memória visual, e seu jeito de virar as peças determinava a maneira como voltaria a elas, de tal modo que não apenas o desenho, mas seu jeito de relacionar-se com ele caracterizava a forma como muito em breve revelaria suas duas faces para lhe tirar do jogo. O hipopótamo, entretanto, possuía algum traço que a surpreendia sempre, de tal maneira que virava sempre a peça com um trejeito novo que nunca podia reconhecer. Todas as vezes era uma nova comoção, uma nova ansiedade, um novo desejo, todas as vezes supreendia-se de encontrá-lo, inutilizando suas todas estratégias muito bem montadas para não estar vulnerável. Tirava-o de cena, por fim, quando quase não sobravam outros pares para imaginar, às vezes por puro acaso, outras quando sua superioridade já era tão evidente diante de outras peças inexpressivas que era preciso encará-lo seguramente, expô-lo, e fatalmente afastá-lo sabendo que ainda não indentificava aquilo que o distinguia, muito embora sentisse aquilo que o não igualava.

10 de dezembro de 2013

Sobre a praia sopra um vento sem final. Segue, invisível, infinito, indivisível, moreno, meio quente meio frio, sobre as vagas sensações abrandadas pelo calor do sol. Sob o sol de dezembro tudo turva à linha do horizonte, o calor desenha miragens a distância e o desejo também. Sob o sol de dezembro, tudo está preguento, mole, grudado, um no outro, intenções indefinidas. O céu se desfaz em chuva à alegria das altas temperaturas, a insustentável leveza de um descanso a quarenta graus. Lembro-me perfeitamente do que são as férias, muito embora hoje a vida apresente uma nova versão delas, um tanto quanto menos eternas. Ainda, hoje penso mais coisas à vista do mar. Ousadias, desejos, mistérios, conquistas, amplas terras desprotegidas passeiam, ou correm, margeando as marolas, definindo o corpo e a paisagem urbana do oceano. As barracas e os guarda-sóis, de tão multiplicados, parecem naturais ao desejo de molhar as pernas de água e sal. Siris assustados! Moças em pé, sentadas, deitadas, de frente, de costas, com pernas cruzadas, descruzadas, rapazes deitados, em pé, de frente, de costas, sentados, com pernas cruzadas, descruzadas... crianças que não param! Tantos olhos as protegem de absolutamente tudo a que elas oferecem perigo. A vida, quanta, pode dar ali a chance de acontecer.

2 de dezembro de 2013

Eu imagino

Você caminha sem direção em direção a uma das portas. Pelo tempo do chão posso observar o seu corpo caminhar folgado sobre si mesmo, e um jogo lento do seu quadril revela os seus planos ousados. Sem se perceber, você avança o vão. Eu avanço. Até o pé da mesa parece um percurso suave sobre o assoalho de madeira. Encosto no pé da mesa ou ele em mim - vê pela porta a mesma coisa que eu vejo e também se equilibra. Eu equilibro. Sigo parcimoniosamente sobre a minha imprecaução, vou lentamente subindo aos térmicos as cervejas, com calma, raspando sempre no gelo com algum barulho, que dá nas articulações e na minha pele a sensação ficcional da textura rasgante. Nos arredores, respirante e lenta, discretamente a disfarçar sua atenção atenta, você mexe os braços nas coisas. Fecho os olhos ao ar do refrigerador e engulo todos estes pensamentos, que por algum motivo descem mais do que ao estômago, direto ao interno do meu quadril, implodindo os meus planos a ousar.