26 de outubro de 2012

"Uma insatisfação vem cronicando, histórica, me ganhando no medo."

Uma insatisfação vem cronicando, histórica, me ganhando no medo. Se houvesse mais olhos, também  haveria mais ângulos; a perspicácia não é suficiente. A atenção tem um quê imprevisível de surpreender as surpresas. Doutro modo, tonta de atenção, tenho o talento,

antes (fosse) de prever,

mas de talhar a novidade. Tão bem o faço que a própria novidade me satisfaz, modestinha e previsível. Tola novidade previsível. Não tenho mais olhos pois sei que haveria mais ângulos. A ansiedade desfaz o que a astúcia esconde, por isso eu me mantenho calma, inerte - nem mesmo o clima me acha, mesmo a tangente me perde. O silêncio provoca a minha saída e nela acredita. Por isso fico mais, permaneço, pois posso ter mais olhos desde que ninguém perceba.

23 de outubro de 2012

A corda

Ao cutucar sem função a corda da âncora, tinha como objetivo cutucar a corda da âncora sem função. Dentre o que pensara, pensara como seria engraçado a mudança da vibração que ela faz fora da água passar para a água, e se conseguiria passar. Pensou se lá embaixo emitiria som, se poderia espantar alguns peixes, alguns peixinhos. Pensou na cor da água a partir da corda, e na cor do mundo pra corda a partir de acima da água. Alisou uns pelinhos dela pra fora.., fazendo curva sobre a borda. E sem função, cutucou a corda com um cutucão. Abaixo d'água, onde o mundo para a corda era azul escuro, uma reverberação descia a espinha reta do grosso barbante, ia descendo, descendo, e se dissipou antes da metade do caminho para baixo. Acima, pensava a moça o que teria acontecido à água e à corda. Imaginou que a vibração chegou até bem ao fundo, vibrou em sua amarração na âncora de ferro e fez afrouxar quase nada o nó que prendia tudo ao fundo do oceano em um lugar seguro e contínuo. Imaginou que dali a alguns momentos, entre dias e anos, quando o barco movesse e fosse movendo muito, o atrito da água continuaria a função sem função da cutucada, e afrouxaria a perder os dias o nó bem dado na âncora de ferro. Dali então a metros, arrastando a âncora esquecida pelas areias do chão do oceano, o nó desistiria de sua profissão e acabaria por aposentar a força da firmeza, deixando ir como um resquício e uma prova da velocidade a corda solta sem propósito.

20 de outubro de 2012

Enquanto movimenta-se leve e longelínea, não durmo. Alguma coisa no colchão deve estar causando todo este estresse. Um nódulo, um fiapo, o pedacinho de alguma comida que secou e agora arranha ao raspar. De todo modo, apropriadamente nos quadris fica seu incômodo. Sobe a bunda tão insistentemente que daqui posso me ver ridículo ao incomodar o sono. Vira-se. Com um medo preventivo do frio, encosta-me. Estou entre duas curvas, eu mesmo me dobro profundamente sobre sua pele estúpida, sem saídas. A saída que lhe resta, resta em minha mão. Que saída; que entrada. Corro milhares de quilômetros enquanto penso protejer minha mente nos mais profundos obstáculos da escuridão e nos pensamentos que não se relacionam a nada que estou vendo. Procurando achar-me para firmar meu distanciamento da vulnerabilidade sexual que se me impõe - por razão que desconheço, perco-me nas variadas opções que minha mente não escolhe, e esvazio-me. Vazio, encontro-a, mais uma vez, onde o frio não pode mais ser justificativa, e ela afirma que é o colchão quem não a deixa relaxar as costas, e só pode fazê-lo sobre mim, quando o faz. Quando não muito, esquiva-se continuamente, como besta, exatamente nos dias em que levo muito mais expertise em minhas mãos de boas memórias, que se lembram e se longam de corpos que se fosse por mim também não teria esquecido.
No meu silêncio despertará
a minha verdade e as minhas vaidades.
Nenhuma gentil sugestão,
insistente confiança da perspectiva,
dominará a clareza
do que eu faço.

Entre os obscuros céus que viajo,
as ousadas colinas em que pouso
se encontram as razões pelas quais persigo
objetivos que desconheço
e sensações que não ouso averiguar:
confio na minha viagem por instrumentos
sem ver
sem antever
sem saber
sem poder
até que o pouso seja inevitável,
se for.

3 de outubro de 2012

Espalhou-se um pânico pelo prédio de kits. Soava, pela noite, tambores repetidos, batidas em cadeia, uma melodia misteriosa, de um temor profundo, um terror profundo, o despertar de uma besta maquinista, maniqueísta, perversa, soturna e metálica. Sem rotina, como numa espreita maldita pelo inesperado e esquecido, gritava retumbante pelo céu seco.

As donas de casa conheciam aquele ritmo cadenciado, aquele compasso astuto, ardiloso. Eram as bestas noturnas atentas às crianças que comiam pouco no almoço e aos meninos que não emprestavam os brinquedos. As empregadas, mais sabidas, tinham melhor noção que aquilo era uma história urbana de tempos passados, às vezes da época da criação da cidade, quem realmente sabe, que guardavam os espíritos passados que deram o sangue pelo concreto. Os pais, capciosos, sabiam que os tiros vinham das perseguições noturnas, na diversão de uma valentia de um dia e alguns ledos enganos. As moças só pensavam nas batidas. ta ta ta ta hm hm hm hm hunf hunf hunf hunf - - - - t e s ã Os padres, porque havia, ouviam o reverbere do inferno, os batuques dos pecados, atraentes e proibidos. As crianças sabiam que eram raios de lugares estranhos, planetas, órbitas, código para os mais espertos. Mas, na verdade, o som que vinha do primeiro andar era uma máquina de escrever.