28 de outubro de 2023

Não há o que se possa dizer que seja seguro. Aqui na caminhada parece ter chegado o momento de apenas observar. Há, entretanto, um universo de coisas que vai acontecendo em silêncio, sem ser contido, sem se dar nota, sem fazer barulho, sem parecer existir. Por passar assim tanto tempo vivendo como se não vivesse, vai adquirindo suas idiossincrasias, fazendo da metade do caminho sua casa, acomodando-se nos dias, alojando-se nos espaços, percebendo-se como vulto nas esquinas, será que era a coisa? ou apenas algo que sugeriu que fosse, mas que talvez nem seja? Vai-se misturando. Acontecendo de alguma forma, embora pareça não acontecer. 

Com algum poder imprevisto, de alguma forma subterrânea, subcutânea, lá vai essa coisa crescendo. Não há como cercá-la, nem tampouco agora ela me respeita muito para que se deixe ser cercada. Eu também nem tenho mais argumentos para contê-la. Em alguns dias até tomamos café juntas. Certas vezes, quando acho que ela não está, de repente irrompe pela porta e se ocupa do sofá. Finge naturalidade. Ou eu finjo. Noutros dias, trabalho com ela ao lado; não se chama à atenção, até se poderia dizer que respeita a distribuição das horas, dos afazeres, mas permanece, ali está. Às vezes faz inclusive companhia no caminho de volta, evitando de algum modo que eu durma, que eu devaneie, que eu esqueça. E desse jeito que vai indo, vai indo.