30 de abril de 2014

O silêncio torna clara a distância entre as intenções. As conversas que se forçam de todo modo na rotina vão relevando a existência de dimensões diferentes, planetas distantes cujas pontes se tornam possíveis nos encontros do espaço-tempo, misterioso, incontrolável, imprevisível... À janela devo montar guarda?, a esperar o fenômeno marcante que me revelará o novo passo possível, a revelar aonde se amarrará a outra ponta da corda? À mesma visão do espaço sideral descoberto e reindescoberto encanta-se o meu mundo inteiro... Como concentrar a atenção em um só fenômeno, estando todas as possibilidades universais à espera da mesma porta espaço-temporal para as mais diversas dimensões... Apenas tempo, o que se põe no espaço inescapável de nós, pode descobrir, desatento, o melhor momento de sair de casa. Portanto deixo-me aqui ficar, a esperar o sopro da flauta a domesticar minha cobra, o encantamento invisível a conduzir minhas cordas, a fagulha rasteira a invadir meu rastilho.

28 de abril de 2014

O tempo alcança patamares inalcançáveis, nada havia planejado para esta fase do caminho. A descrença oca substitui o desejo tácito por quase tudo que se põe à minha frente, eu imagino novos voares, preciso escapar de tudo. Apenas a realidade constrói a realidade. Eu estou a costurar imensidões sem nada, a tinta e o papel seguem a sua fantasia desvairada de me inventar, e, sem mais amarras, acredito em tudo quanto vai parecendo suficientemente lúdico, razoavelmente duradouro, ligeiramente esquecível com suportável facilidade. A ilusão me constrói nos meus espaços vazios, e a cada novidade espaço-me imprevista.

18 de abril de 2014

Sob a tenda rondou algo inconsciente além da moça. Um rebuliço, um susto constante, a suspensão entre os pulmões: a comunidade reunida pairava sobre a confusão de gente. A moça não o olhava porque quando olhava, nada via, o amante desfigurava todo o resto da folia. De cá pra lá, daqui pra lá, toda a gente a todo canto, uma confusão de rostos, meias frases, conhecidos de passagem, que bagunça essa noite nas emoções de Lia! Não olhava, mas tampouco era como se fizesse que não via. Mas é mole, criativa, inventosa a cotovia.
Os suspiros do céu descansam a minha pressa.

9 de abril de 2014

Ao pé da montanha mesmo o sol mais forte é como a luz da geladeira. Interesso-me em contorná-la, curiosa dos arredores; o parceiro sugere outra coisa: quer escalá-la. A moça, conquanto por aí não iria, observa que o desbravar do alto tem a mesma raiz do desbravar dos lados: aquilo que não se conhece se está por conhecer. E pelo alto segue, conhecendo riscos que não era sua ideia conhecer, alcançando visões que não estava pronta para alcançar, fazendo esforços que não era a hora de fazer, escolhendo bifurcações frente às quais ainda não havia imaginado estar e para as quais a escolha do caminho era como a mesma escolha primeira de subir ou margear. E dando a continuidade da subida a mesma sensação de seus primeiros passos, quis parar. Sentada na pedra convidou-o a também refletir aonde já tinham chegado, o que já tinham conhecido e a possibilidade de descer e contornar o monte. Absorvera a experiência, aprendera as decisões, acumulara o conhecimento e com carinho propunha-o seguir por enquanto um novo destino: o conhecimento da montanha, conquanto não fosse assim tão vasto, transformava as primeiras escaladas em uma jornada se não fácil, nostálgica, caso o futuro os levasse a retomá-las.

Mas o moço tem certo o desejo de alcançar os 30 metros de altura; acredita que de lá a moça realmente verá a beleza da pintura. Convida, faz que sim, insiste na decisão; o tino pela aventura, o aproximar-se da lua, o carinho da atenção levam a moça para cima e renova-se a intenção. Mas caminhando mesmo sem pensar, a sensação já lá está: quantos vales, quantas árvores os arredores devem guardar? Quanta paisagem escondida, quanta lufada de vento imprevista, quanta nova possibilidade não se avista na volta que iria dar? Os passos deixam a marca da pesada passada e da escolha a vacilar; ela se inclina, olha o abismo e acha que é hora de retornar. Faz-lhe um novo plano bem marcado, para lhe dar segurança em descer e tentar novos achados, conta das formas mais encantadoras aquilo que ela mesma sonha encontrar, o que já ouviu dizer e que estarão ainda lado a lado para arriscar. Mas ele pestaneja, tem certeza do futuro que lá na frente vai encontrar. Enquanto ela fecha os olhos e revê o pé da montanha, relembra as possibilidades iniciais e as atuais estranha, a moça nota-se e percebe viva a escolha que ainda pode tomar, dá a ele a ponta de uma corda e lentamente desce a encosta, pela qual já desce circular.