6 de novembro de 2023

Acabei de chegar. Dois ou três volumes eu apoiei pelos móveis e o chão, olhando bastante o seu jeito de organizar as coisas e que coisas são essas. Acho engraçado as escolhas de textura que você faz, me agradam muito mais do que imaginei. De vez em quando eu imagino mesmo à toa umas outras situações que você nem imagina. Então ao chegar e colocar os volumes pelos móveis e o chão e rapidamente espiar os arredores, percebo que você já se sentou, em um banquinho conjurado do nada, e parece nem ter saído para me buscar. Mas eu entrei com tanto empuxo por aquela porta que eu tenho certeza que alguém me trouxe. O café está ótimo!, eu digo com a surpresa verdadeira de quem não conhece a sua medida. É ótima. A vista parece muito agradável em sua estética de vizinhança, com algumas árvores, inúmeros passantes e um tanto de carro como em todo lugar. E então, ainda com o copo na mão esquerda, um pouco absorta em tentar ler os nomes verticais dos livros, alguns de ponta-cabeça, me roça a mão direita algum susto. O toque é tão leve que a textura me fugiu. Ao descer a cabeça, eita, parece-me logo que o ar aqui embaixo é que está mais escasso. Nem lhe vejo, que com a ponta do nariz se encosta em algum lugar meu que não é nem maxilar, nem pescoço, nem orelha, mas algo como os três juntos. Não tenho muita certeza se seu objetivo é cheirar ou tocar, mas eu mesma não tenho mais muitos objetivos agora. Em pé, mas com um certo comichão na sola deles, de certo modo me parece que as pernas afrouxaram. Pode ser porque você é menor e seja eu tentando me encaixar na sua respirada. A grande questão é que nessas horas não se tem certeza de muita coisa. 

28 de outubro de 2023

Não há o que se possa dizer que seja seguro. Aqui na caminhada parece ter chegado o momento de apenas observar. Há, entretanto, um universo de coisas que vai acontecendo em silêncio, sem ser contido, sem se dar nota, sem fazer barulho, sem parecer existir. Por passar assim tanto tempo vivendo como se não vivesse, vai adquirindo suas idiossincrasias, fazendo da metade do caminho sua casa, acomodando-se nos dias, alojando-se nos espaços, percebendo-se como vulto nas esquinas, será que era a coisa? ou apenas algo que sugeriu que fosse, mas que talvez nem seja? Vai-se misturando. Acontecendo de alguma forma, embora pareça não acontecer. 

Com algum poder imprevisto, de alguma forma subterrânea, subcutânea, lá vai essa coisa crescendo. Não há como cercá-la, nem tampouco agora ela me respeita muito para que se deixe ser cercada. Eu também nem tenho mais argumentos para contê-la. Em alguns dias até tomamos café juntas. Certas vezes, quando acho que ela não está, de repente irrompe pela porta e se ocupa do sofá. Finge naturalidade. Ou eu finjo. Noutros dias, trabalho com ela ao lado; não se chama à atenção, até se poderia dizer que respeita a distribuição das horas, dos afazeres, mas permanece, ali está. Às vezes faz inclusive companhia no caminho de volta, evitando de algum modo que eu durma, que eu devaneie, que eu esqueça. E desse jeito que vai indo, vai indo.