26 de junho de 2014

escrevia, continuamente maria escrevia aquilo que as mãos sabiam que tinha a dizer. E o que dizia era assim:

Maria muito reflete invigilante, sobre nada. Suas sensações reveladas, entretanto, confundem seus sentidos a ponto de imaginar que tudo pensa e planeja sobre aquilo que vive. Aquilo que vive, entretanto, está vivido, e ela sabe, e sente, e sobre tudo isto se cala solene em sua busca de si e de nada e de nada mais. Espera, ansiosa, o momento em que a espera haverá de transformar-se em uma grande volúpia ardente sem sentido e sem muitas soluções. O que lhe acontece, entretanto, mesmo quando é isso que lhe acontece, é reservado em algum canto que, de tão reservado, escanteia. Tudo isso faz-lhe muito bem. Doutra maneira, maria acabou por encontrar um romance com o qual o descompasso tão grande é que, na perda do passo, perdeu foi o seu. Desta forma, desconfia-se enamorada e não enamorada, desconfia-se aberta e fechada, interessada e não por este forasteiro que com muitas flores floreia seu caminho e tudo o mais quanto deseja dizer-lhe e fazer-lhe, mesmo quando seu pedido resume-se a que ela troque o rolo de papel higiênico. Maria, interessada, interesseira, confunde-se na estampa florida do papel higiênico. Por vezes acha que é romance, por outras, paciência, noutras vezes imagina curiosidade e quando demais se estima, piedade. Armou-se, de desarmada estar, em buscar companhias desafiadoras. Isto porque acredita que apenas o contato há de provar-lhe as suas ansiedades amorosas e as suas ousadias sentimentais. Por isto, lançando-se ao desconhecido, desconfia dever arriscar-se inda mais, a des-saber suas intenções e desejos, a afundar-se em mergulho turbulento de não entender, quando na verdade muito percebe as lacunas dançarinas que se lhe apresentam ao longo dos dias. Não sabe, entretanto, como a elas encantar. Oferece-lhes o costumeiro do romance de uma noite, cerveja, cigarros, sentimentalidades exageradas em frases impactantes, contudo permanecem perenes as lacunas, muito embora se possam enamorar entre um sopro e outro em um dia mais ou menos vulnerável. Maria segue, com buscas muitas que não pode enxergar, e perde-se em tentar encontrar-se. Tendo passado tempo demais sozinha, está com medo de descobrir, tendo já descoberto, que precisa de mais. Longa e difícil busca.

16 de junho de 2014

A panela no fogo mexe-se um pouco mais. Um rebuliço a percorre impreciso, um movimento inquestionável embora perceptivelmente invisível. A água sabe, eu sei; a panela é cobaia das nossas intenções trocadas. Eu não quero o que a água quer, tampouco ela tem interesse no que desejo: a mim interessa o efeito das suas transformações, e a ela o acontecer da mudança. Ninguém se fala pois não há necessidade, o contato está selado na simbiose dos desejos.

Este café tem um cheiro de quem está satisfeito.
Deitava em mim. Fazia-me de apoio para obrigar o meu corpo a lhe dar carinho, a lhe querer, a lhe sentir, e assim ia acontecendo enquanto eu cedia ao formato do seu corpo, ao peso da sua intenção, ao cheiro do seu desejo e ao crescer da minha vontade de deixar despreocupados os efeitos. Tudo está sob meu controle. Os cálculos ligeiros das minhas reações são automatismos da minha defesa desavisada de que não estou ameaçada. Ameaço-me eu mesma, de desconhecer o querer, muito pouco entender o querer, e de machucar o outro o meu desconhecimento de mim. Acontece que eles, que elas, têm mais pressa em chegar a mim do que eu tenho, e assim encontram-me nas pontes que construo para minha própria compreensão, as pontes que construo para chegar aonde apenas suspeito que estou, a indicação da minha sensação de onde quero estar. E ao encontrarem-me aprecio sua companhia curiosa, o seu desejo voluntário, a sua sede vulnerável, a ansiedade do seu querer. E estou também, flutuando nas minhas disposições, esticando os meus limites, voluntariando a minha vontade um centímetro a mais a troco das maravilhas do amor. Arregaça-me o bem querer. Invade-me a vontade ardente. Enquanto não ardo, provoco a mim e, com mais sucesso, a outras que estão, que permanecem, que me puxam para fora. Mas o corpo protege a alma. Ou será a alma quem protege o corpo, a negar-me a mim o desejo, o toque e a confiança no jeito sincero com que as partes de mim se sentem? O que será que está ali no lugar exato do não e do jeito seguro com que paro a caminhada, com que volto para casa, com que fala o meu silêncio? O mundo gira em uma inércia mais veloz do que a minha rapidez. Eu sou lenta e assim gosto, assim entendo o tempo que também se estica a me entender. Tocamo-nos o tempo e eu, nos últimos tempos, com tanta carícia e tanta afeição, com tanto respiro e com tanta disposição a estarmos juntos o quanto a vida seguir. Sigo o tempo que me segue. Segue o tempo em que eu sinto o meu tempo de sentir.