3 de outubro de 2017

Com medo por você escondi todos os contos. Imaginando seu sofrimento, sofri os meus inevitáveis desejos três vezes, no sentir, no escrever, no esconder. Em mim, mil portas enterraram mil estórias, vontades sempre breves, sempre eternas, de ser mais eu, sempre eu e ainda eu. Vontades de com você ainda ser eu. Medo por você, com você, de ser coisas que podem magoar e ofender, já sendo. Então resoluta, serei. De algum modo, sozinha finalmente mais uma vez, ser inteira, nos pedaços vividos e nos pedaços escritos, ser livre sem a ilusão de que ser presa liberta. Enfim, com você sempre nova, cada vez mais dentro da inevitabilidade de ser, cada vez mais dentro da vontade de estar, cada vez mais dentro... poder estar fora, sonhando as minhas verdades, sonhando as minhas mentiras, sonhando, sendo tudo a todo o momento, sendo apenas eu e o mundo inteiro que se encontra nas palavras que junto das palavras que me juntam.
Para me conhecer sem me desnudar, dou nó nas ideias com palavras que podem sempre significar duas coisas. Esvaio essa reunião de coisas confusas, emaranhados que parecem sentimentos, mas que são mais palavras. Estou em desencontro com a poesia... com a prosa, que é mais meu jeito.

O tempo passou. A sua memória tem um sabor louco, embora hoje seja menos viva que o sabor esquisito da comida que preparei outro dia. A vida seguiu seu destino, tão longe de você, coisa que pude aceitar apenas agora que o seu gosto já faz parte de um outro momento, de outros desejos, de outras possibilidades. Ainda você continua uma desconhecida dentre tantas, embora tão familiar aos meus sentidos. Eu continuo uma desconhecida dentre tantas, embora parecia ter estado tão perto, quase íntima, por momentos curtíssimos. Estranha sensação de tocar sem sentir, de viver sem estar, de se dar sem ser recebida. Mas é simples o tempo caminhar e a vida se viver, sem recusas; essa impossibilidade de recusar a realidade e continuar vivendo...  O viver continuou até aqui, onde você foi transformada em lembrança e eu sou nova. Vou bem, bastante, reinventada de formas labirinticamente claras, embora ainda tentando entender se há outra maneira de ser plena que não envolva limitar-se. Conformada em amar o mistério e não estar jamais satisfeita, a alma aprende uma certa forma de ser sua própria, de si mesma, de ser ela, apenas ela, intransferível e no mais das vezes inexplicável. Os outros são cada vez mais os outros, as outras, enquanto entendo, com um certo esforço impreciso, que sempre serão os outros, as outras. Amar segue constantemente adquirindo novas roupagens que, quanto mais atualizadas, mais significam estar nua. O emaranhado de palavras e sentimentos é meu jeito de ser.