23 de dezembro de 2012

Se os poemas dela falam só sua própria linguagem,
e são para si mesma
e terminam em si mesmos o que queriam dizer para os outros
Eu também gostaria de escrever esquecendo
que me verão.
Eu também tenho tantas coisas que só têm a si mesmas
e não interessa o que os outros precisam entender sobre elas
ou sobre mim.
Eu também posso me cansar de me fazer entender,
eu também posso procurar outras saídas,
o silêncio também pode me servir,
eu também posso sair pela tangente
e a tangente sair de mim.

10 de novembro de 2012

Sobre a bicicleta, a vida passa como o solavanco das pedras indesviáveis e dos passeios triturados pela insurgência das raízes. Como é bom ser o pedal             Em desce meio-fio sobe meio-fio, posso pensar unicamente nos impactos         A cidade são árvores, hipotenusas das calçadas, pedaços de concreto perdidos, nem se lembram donde vieram. Entendem-se ciclistas pelas ruas, com o bom cumprimento do parceiro desconhecido, um olá ao reconhecimento dos perigos e da diversão. O nível e o vício da adrenalina confundem-se ao êxtase de não pensar. Só a cidade reflete. Refletem as rodas, sobre as pernas, restos de chuva, refletem os asfaltos, sobre o corpo, o calor da ilha, refletem os retrovisores, sobre retrovisores, outros retrovisores... A vida das formigas segue, e a tragédia de serem tão miudinhas ante nossa grandeza estabanada de gigante.

26 de outubro de 2012

"Uma insatisfação vem cronicando, histórica, me ganhando no medo."

Uma insatisfação vem cronicando, histórica, me ganhando no medo. Se houvesse mais olhos, também  haveria mais ângulos; a perspicácia não é suficiente. A atenção tem um quê imprevisível de surpreender as surpresas. Doutro modo, tonta de atenção, tenho o talento,

antes (fosse) de prever,

mas de talhar a novidade. Tão bem o faço que a própria novidade me satisfaz, modestinha e previsível. Tola novidade previsível. Não tenho mais olhos pois sei que haveria mais ângulos. A ansiedade desfaz o que a astúcia esconde, por isso eu me mantenho calma, inerte - nem mesmo o clima me acha, mesmo a tangente me perde. O silêncio provoca a minha saída e nela acredita. Por isso fico mais, permaneço, pois posso ter mais olhos desde que ninguém perceba.

23 de outubro de 2012

A corda

Ao cutucar sem função a corda da âncora, tinha como objetivo cutucar a corda da âncora sem função. Dentre o que pensara, pensara como seria engraçado a mudança da vibração que ela faz fora da água passar para a água, e se conseguiria passar. Pensou se lá embaixo emitiria som, se poderia espantar alguns peixes, alguns peixinhos. Pensou na cor da água a partir da corda, e na cor do mundo pra corda a partir de acima da água. Alisou uns pelinhos dela pra fora.., fazendo curva sobre a borda. E sem função, cutucou a corda com um cutucão. Abaixo d'água, onde o mundo para a corda era azul escuro, uma reverberação descia a espinha reta do grosso barbante, ia descendo, descendo, e se dissipou antes da metade do caminho para baixo. Acima, pensava a moça o que teria acontecido à água e à corda. Imaginou que a vibração chegou até bem ao fundo, vibrou em sua amarração na âncora de ferro e fez afrouxar quase nada o nó que prendia tudo ao fundo do oceano em um lugar seguro e contínuo. Imaginou que dali a alguns momentos, entre dias e anos, quando o barco movesse e fosse movendo muito, o atrito da água continuaria a função sem função da cutucada, e afrouxaria a perder os dias o nó bem dado na âncora de ferro. Dali então a metros, arrastando a âncora esquecida pelas areias do chão do oceano, o nó desistiria de sua profissão e acabaria por aposentar a força da firmeza, deixando ir como um resquício e uma prova da velocidade a corda solta sem propósito.

20 de outubro de 2012

Enquanto movimenta-se leve e longelínea, não durmo. Alguma coisa no colchão deve estar causando todo este estresse. Um nódulo, um fiapo, o pedacinho de alguma comida que secou e agora arranha ao raspar. De todo modo, apropriadamente nos quadris fica seu incômodo. Sobe a bunda tão insistentemente que daqui posso me ver ridículo ao incomodar o sono. Vira-se. Com um medo preventivo do frio, encosta-me. Estou entre duas curvas, eu mesmo me dobro profundamente sobre sua pele estúpida, sem saídas. A saída que lhe resta, resta em minha mão. Que saída; que entrada. Corro milhares de quilômetros enquanto penso protejer minha mente nos mais profundos obstáculos da escuridão e nos pensamentos que não se relacionam a nada que estou vendo. Procurando achar-me para firmar meu distanciamento da vulnerabilidade sexual que se me impõe - por razão que desconheço, perco-me nas variadas opções que minha mente não escolhe, e esvazio-me. Vazio, encontro-a, mais uma vez, onde o frio não pode mais ser justificativa, e ela afirma que é o colchão quem não a deixa relaxar as costas, e só pode fazê-lo sobre mim, quando o faz. Quando não muito, esquiva-se continuamente, como besta, exatamente nos dias em que levo muito mais expertise em minhas mãos de boas memórias, que se lembram e se longam de corpos que se fosse por mim também não teria esquecido.
No meu silêncio despertará
a minha verdade e as minhas vaidades.
Nenhuma gentil sugestão,
insistente confiança da perspectiva,
dominará a clareza
do que eu faço.

Entre os obscuros céus que viajo,
as ousadas colinas em que pouso
se encontram as razões pelas quais persigo
objetivos que desconheço
e sensações que não ouso averiguar:
confio na minha viagem por instrumentos
sem ver
sem antever
sem saber
sem poder
até que o pouso seja inevitável,
se for.

3 de outubro de 2012

Espalhou-se um pânico pelo prédio de kits. Soava, pela noite, tambores repetidos, batidas em cadeia, uma melodia misteriosa, de um temor profundo, um terror profundo, o despertar de uma besta maquinista, maniqueísta, perversa, soturna e metálica. Sem rotina, como numa espreita maldita pelo inesperado e esquecido, gritava retumbante pelo céu seco.

As donas de casa conheciam aquele ritmo cadenciado, aquele compasso astuto, ardiloso. Eram as bestas noturnas atentas às crianças que comiam pouco no almoço e aos meninos que não emprestavam os brinquedos. As empregadas, mais sabidas, tinham melhor noção que aquilo era uma história urbana de tempos passados, às vezes da época da criação da cidade, quem realmente sabe, que guardavam os espíritos passados que deram o sangue pelo concreto. Os pais, capciosos, sabiam que os tiros vinham das perseguições noturnas, na diversão de uma valentia de um dia e alguns ledos enganos. As moças só pensavam nas batidas. ta ta ta ta hm hm hm hm hunf hunf hunf hunf - - - - t e s ã Os padres, porque havia, ouviam o reverbere do inferno, os batuques dos pecados, atraentes e proibidos. As crianças sabiam que eram raios de lugares estranhos, planetas, órbitas, código para os mais espertos. Mas, na verdade, o som que vinha do primeiro andar era uma máquina de escrever.

10 de setembro de 2012

de presunto e queijo

De alguma forma, envolveu-se de tal modo que passou a imaginar que pensar no outro, e procurar resolvê-lo, era pensar em si mesma. Tudo se misturou a tal ponto que nem o ovo, nem a galinha sabiam quem havia vindo antes - e a própria questão não se lhes apresentou. Assim, transformou todos os seus problemas em razões do outro, e todas as soluções pra o outro em óbvia saída para as principais questões de seu próprio cotidiano. Em transmutar seus problemas, encontrou no outro a culpa por todas as moléstias pelas quais passava, todos os testes, todas as provas e nunca nenhuma providência, dado que também não tinha nenhum Proventor, a não ser o acaso, que no entanto é um deus muito conveniente para quem acredita em alguma coisa que ninguém deu nome. Assim, seus testes pessoais eram pessoais no que dizia respeito às qualidades que buscava nutrir, e às elevações de seu espírito que certamente resultariam de ser capaz de lidar com tamanha dificuldade. A dificuldade, que cada vez mais, sorrateira e imperceptivelmente ganhava o nome, a feição, os cabelos do outro, ganhava também força, e dimensão imprevista, e todo elevamento de espírito não poderia alcançar sua altura. Então, de repente, absolutamente de repente, realmente como quando queima a lâmpada só porque a lâmpada queimou, percebeu-se. Descobriu que era imensamente diferente de suas causas, de várias consequências, de suas chateações, de seus incômodos, seus terríveis irremovíveis incômodos, e inclusive parou de questionar a verdadeira razão pela qual o limão era azedo.  Ao observar-se, percebeu que há muito não se observava, e que embora fosse muito atenta para as próprias incongruências, chatices e azedumes, não se observava. Observou-se, e foi fazer mais um sanduíche.

28 de agosto de 2012

Hoje

A noite vem continuamente, e apesar da minha imaginação subverter as horas, vira amanhã.

5 de junho de 2012

Recife

As casas e as ruas do Recife Antigo de Manuel Bandeira são para mim a foto de mamãe, papai, de minha irmã, alguns vídeos, a imagem de tia Célia comigo no colo, também as corujas do interior, os milharais, as cercas tão longes que a gente nem sabia como ou pra quê chegaram ali. A velocidade que chegava lenta (mas chegava), os escolares cheios de criança sem nome, quanto escolar! O Recife de Manuel foram as ruas dentro de mim, nenhuma que ficou por mais tempo, todas iam embora rapidinho, sem nunca ir.

a viagem de bike a São Jorge

Onde o vento bate a(`)s pernas, no meio do amplo, onde o horizonte sou eu, onde a estrada continua, onde o fim é qualquer um, conseqüencia do início, há um longo espaço para estar. Levar-se tem já um tom de felicidade muito próprio aos incomodados, e a bicicleta deixa o mundo ser seu também. Distante, muito distante da janela, do fresquinho interno sendo calor lá fora, do aquecimento do motor, dos-pos-tos-de-gasolina e por conseguinte dos oleodutos, passo marchas com os dedos, engato-as com panturrilhas e coxas e paro quando a paisagem é inevitável demais para deixá-la passar mesmo a dez por hora.

3 de junho de 2012

em muitos espaços, sob a fina da camada da mesa de trabalho, sob o assoalho que subindo parece ralo, sob muitos e muitos lugares que, imperceptíveis, percebo, aquece-se uma memória de outras idéias, sensações e carinhos, que sabem ler tapetes voadores, que se agarram ao tempo, como os panos molhados em florestas de bambu, como o vento, o tempo, o tempo que.. longura... estica a quentura. Quanta dúvida paira sob o céu, que me segue, que me segue, que me cegue, queime e cegue... quanto céu sobre nossas dúvidas

7 de março de 2012

Esgueirou-se rumo ao céu, esticou a coluna. Precisava que alguém cedesse aos seus temperamentos intempestivos.

27 de fevereiro de 2012

o fim da noite nunca chega, o que chega é a noite estar no fim. tudo se prolonga nas linhas do tempo, postos aos olhos da minha cabeça, mesmo quando os abandono.

11/12/2012
O Sol insiste em nascer antes de mim. Se pudesse, estaria à janela esperando, para cair no mar cedo!, e aproveitar a manhã para fazer das tardes algo diferente. Mas sozinho o tempo se repete, se repete, se repete, e a inventividade brinca com as milhares de possibilidades que se igualam na solidão.

6/1/2012

2 de fevereiro de 2012

como eu flutuo, em sonhos, entre os lixos espaciais, também aqui na terra esbarro em fragmentos de coisas que flutuam, e devem enviar informações, sabe-se a quem, ou lá aquém, onde não vejo, para um futuro místico, entre o eu e a realidade, entre meus sonhos e as minhas coragens, e especialmente entre o meu amor e a solidão e a dura realidade. tantas fábulas cujos animais não me dão bola, e permanecem mudos. preferia a minha loucura ser um segredo, ou um charme, uma dúvida, um erotismo, um risco, uma piscada, um atrativo dentre tantas facilidades. Ser assertivo arrasa quem tem dúvidas... E a minha mente confusa pouco se interessa pelas histórias escritas, tão certas, em que foram só aquilo, ou quase nada na minha imaginação atribulada de mim mesma. Tantas dúvidas colocadas diante a calma de ser e a possibilidade de ferir, tantos caminhos entre descansar e enlouquecer, tantas besteiras de preocupar-se. quantos caminhos não se perdem em não acenar? como é difícil prestar atenção à natureza de não prestar-se à atenção...

2 de janeiro de 2012

a tristeza espreita a minha certeza altiva. ando pelas ruas sem medo do acaso. E o acaso, sem medo de mim, ainda que se aproxime armado, me cumprimenta antes de me desaforar. Eu caminho solta com um respeito incurvado ao invisível, como o deus que sou, pronta na minha inteireza de ser inescapável a mim mesma. a mim só me resta ser o que sou. não há nenhuma possibilidade externa a mim de me ser: só eu nas galáxias respondo o que respondo, só eu sinto o que sinto, só eu posso o que posso, e só eu amo como amo. Gabo-me aos céus a minha boa índole, a minha paz, o meu bem, os meus olhos e a força da minha vontade. Sigo como só eu poderia seguir. No fundo, em casa, quando choro, só eu sei a solução, só eu sei o porquê, e só eu posso construir o futuro. Para além disso, deifico o amor, e como é difícil alcançá-lo, envolvo-me em paquerá-lo até que ceda

(22/09/2011)