26 de maio de 2014

O tempo passa e tudo o mais fica. O violão sabe mais de mim, maliciosa serpente que carinho com os dedos, que melindrosa dos meus medos aos meus afobos inventa alguns sentimentalismos que durante a canção eu também acredito, às vezes perduram... Toco, toco, eu mesma não quero parar a reentrar no mesmo universo das coisas que ainda se dão, os receios que eu ainda tenho, os limites que eu ainda imponho, as paixões que ainda não conto e as mentiras que não me paro de dizer. Toco, muito, sem os amantes, sem clareza, sem a forma do desejo que, vazio, vadia... Me recomendam canções, me dão outros temas... não quero! Continuarei a paquerar esta existência invisível com quem travo o meu amor musical.

7 de maio de 2014

Com toda a simplicidade, a poesia da ausência te inventa. É o nada acontecer e o tudo sugerir-se nas nossas ideias de realidade que constrói o espaço total que vamos ocupando. Uma frase, um nada, o carinho abstrato de lembrares de mim ergue uma tarde inteira de poesias a tentar desbravar o agrado do seu coração, a tradução das minhas delicadezas, a dança dos carinhos que vou lhe dar, quando?, já dou, de expectativa em expectativa, nunca. O espaço imaterial entre nós já abusa da nossa distância, distrai-se dos nossos carinhos, e não quer mover-se para lugar nenhum.

2 de maio de 2014

A poesia não é suficiente para explicar o nosso desentendimento. É preciso não dar as voltas sentimentais que se dão por dentro, abreviar-lhe as expectativas das minhas buscas, reduzi-las, poupá-las à sua criatividade de sempre encontrar buracos nas minhas frestas. Vamos tirar este som de estórias musicais de outros romances, de buzinas angustiadas a empurrar a preocupação do futuro e da família ao interior da minha barriga faminta, a transformar os meus sonhos em pressas, os meus desejos em infantilidade, a minha seriedade em obrigação. A confundir o presente e os projetos, a fabricar a necessidade de ser outra coisa, a mentir toda a minha insensatez em imaturidade. O tempo que se faz necessário não é requinte, é condição.

1 de maio de 2014

A garfada fatal no tomate cereja denuncia os destinos que inventa à moça. A incompreensão de seus sentimentos o levou a um estágio semi-profissional de matador encomendado; a ausência de dinheiro fizera-o contratar-se a si mesmo. Escrevera cartas em que lhe explicava mais uma vez e de modo compenetrado as intenções do romance que nascera dentro de si, e que, sem a possibilidade de existir, pouco deixava de margem para uma vida saudável. Com os dias, adquiria vícios e leituras dos romances policiais, mudou roupas, esteve a fumar e a única coisa que não mudou foi o gosto pelo álcool. Não fez amigos, ainda que a rotina nos bares proporcionasse ocasionais descontos à vista de planejamentos caros de equipamentos do exterior. Por pouco e por distração da rua, não se tornou um lunático para a vizinhança, que também o havia conhecido em momentos mais punjantes. Deixara o cabelo crescer sem o notar e a contínua mudança dos hábitos e do visual começou a desagradar a opinião alheia. De tantos papéis juntados, planos metricamente demarcados, materiais orçados, escreveu este conto, mais nada.