30 de junho de 2010

?

É que eu não posso fazer filhos enquanto você está na casa de Aquário, eu lhe dizia com a cebola me fazendo chorar, aquele almoço lhe levando a crer que me sofria ter de esperar para fazer barriga, e ela crendo na sentimentalidade da minha faca mal amolada. É que com a sentimentalidade dos seus poros alcoolizados, a sinuca refletida nos seus olhos, os seus saltos em ângulo V da bebedeira de ontem à noite, eu pensava com a salada o que é que seríamos de nós três, enquanto eu não trabalhava e ia lá saber quem colocaria sorriso naquela cara de joelho. E eu fiquei pensando enquanto o eclipse não vinha e eu esperava a sombra da Terra, eu pensei no sonho de Goya, nalgumas plantas de Monet, eu pensei no monótono e eu fiz tanto sexo com aquela cebola dilacerada. Com o choro compulsivo, o Pixinguinha no canal da tv a cabo, agulhas de costura tão feias na sua mão e alguns animais de estimação, a sinuca refletida nos meus olhos, o tecido de feltro azul e algumas cartas, búzios, o caralho a quatro, a minha paixão, eu lhe entreguei o anel, sorriu, tudo faz tanto sentido, tudo pode ser eterno

23 de junho de 2010

Eu também, sentada aqui em cima, primeiro andar tranca na janela, não estou altiva como um parnasiano. Triste e um tanto quanto cansada, um tipo diferente de carência fica esbarrando no vidro, sem embaçar. é frio não por solidão, nem medo, nem desapego, nem nada, é frio por motivos esquisitos, talvez brasília no inverno e a insuficiência ou falta de paciência dos meus edredons que nunca param. Cair na armadilha é um pouco de fazer-se companhia. Alguns movimentos redondos e outros copos despropositados de um álcool que não vai fazer efeito. A terra e girar sem tontear. Ficar calado põe em dúvida o respirar. Quando tudo baixa, tudo pára, tudo vira mínimo e não sai fumaça de nenhum lugar a zero graus. Frios cinzas deixam tudo suspeito, mesmo o sol. Quatro quadrados, quatro quadrados, quatro quadrados. Camas altas te fazem se sentir uma criança. Não tocar os pés no chão faz sentir-se uma criança. Literal e metaforicamente. E o frio vira só uma besteira, um ventilador ligado, uma incapacidade estrutural, instrumental, da mesma forma que o bolero de ravel não pára.

22 de junho de 2010

a mulher que falava coisas

Tenho de você um medo que, se existisse, existiria. De que vá embora, que perca, que tropece, que eu permaneça sentada no bar enquanto você recolhe suas chaves e vai embora, que você permaneça sentada no bar enquanto eu recolho minhas chaves e vou embora. ..., do fim do amor por nada. Tenho medo da eternização do amor também. Terminar e voltar; tenho medo da hora do desfecho consensual, da sua pele dizendo adeus com choro, do rebuliço do enterro. O enterro é um rebuliço calado, como estar preso na própria cabeça e ser mudo, como Stela do Patrocínio muda. E eu tenho medo de sermos humanas e nos desentendermos, e daquele ponto que ainda não conhecemos em que concordamos em discordar, e que desconhecendo não sabemos se é essencial. Tenho medo das essencialidades que não descobrimos, e portanto não descobrimos. Ademais, tenho medo todos os dias de não ter medo nenhum; e não tenho.