25 de março de 2021

Fecho os olhos para lhe ver. Lá está você, de cima a baixo. Parece até que esperava, que pacientemente aguardava a minha recusa esmorecer enquanto displicentemente percorria as gavetas, armários e bolsinhas em que organizo tudo em mim. Afinal me parece que cheguei aqui ao procurar outra coisa... Que coisa? Aqui estou à sua frente, nessa qualquer mesa de bar, esperando à porta do banheiro desse pé-sujo que era o último aberto e daonde você não sai nem por decreto. À medida que espero sua sede terminar, vou ouvindo várias estórias que não tenho certeza se são a mesma, cheia de pessoas, de jeitos, de vontades e de esquecimentos. Enquanto estou aqui, parece até que você não me esqueceu. Nesse vaivém da sua prosa, me vejo a discordar da sua decisão de ir embora, e trago para a mesa um assunto que acho que não era aquele sobre o qual conversávamos... Não sei. Em todos estes caminhos tenho a impressão de que você falava sobre mim e levei pro pessoal. Enquanto você meio que se defende, meio que dá risada, percebo que não deve ser sobre mim, ou que o feitio dos outros romances está lhe confundindo que amante sou eu e que amante são os outros. Aí, sem mal, sem mim, entendo que você se relaciona com todos nós ao mesmo tempo, mesmo os que já foram, e que somos a mesma coisa fragmentada em pequenas partes que lhe agradam, pequenas partes que lhe surpreendem, pequenas partes que lhe irritam, pequenas partes que lhe contam. Percebo que quando você me beija, na verdade está se beijando, e talvez lhe seja difícil aceitar que não pode beijar a si mesma sozinha; mas é o jeito. Então, quando na lembrança você me olha, será que você me vê? E quando na lembrança te olho, será que olho a mim?