Outro dia, invadindo privacidades que não se preocupavam em ser escondidas, vi. A mão, os dedos, a blusa, as costas. Estávamos no metrô ('metro' aqui) paradas esperando-o sair da escuridão do túnel e mostrar sua cara envidraçada. Os pés perto da linha amarela gasta, marcada do preto dos sapatos apressados. Eles estavam a alguma distância, por entre algumas pessoas cansadas, os rostos escondidos pelo anonimato. O relógio mostrava as horas laranja e o burburinho do dia-a-dia cinza. E lá ele tinha ela encostada contra o peito, os tênis perto dos sapatinhos. E então o carinho. A mão caminhou sem pudor, sem vergonha, sem mistério. De cima pra baixo, de baixo pra cima. A parte lombar da coluna agradece calada. A blusa levanta sem querer e abaixa sozinha. Ela não se importa, ele nem percebe; ninguém viu. Meus olhos sorriem sem mim, e o carinho é quase meu. Deve ser meu sonho, deve ser. Minha realidade não é. Não importa, é bonito, é leve, é casual, não é importante. E o calor que sai das costas dela se prende na mão dele, e ele pára, deixando-a derreter com prazer sobre a blusa verde claro. Eles devem estar sorrindo, não vejo. Meus olhos estão presos na mão e nas costas, tão naturais. Os dois respiram, exalam. Os feromônios se soltam. Vamos guardá-los para depois, amanhã, outro dia, não importa.
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