15 de agosto de 2009

Me queria, mas também de alguma forma havia todas as coisas que se prenderam à rotina de não pensar em quereres, nem tolerá-los. Já aos dezessete beijava meninos pelos quais não tinha nenhum tipo de opinião, e então não precisava pensar em querê-los, desquerê-los, apaixonar-se ou arranjar dores de cabeça. Aos vinte e dois recusou um emprego de consultoria e quando o dinheiro apertou recusou ser manicure para não ter de sugerir cores. No geral amava do mesmo modo a que assistia televisão: pelo acaso, pela sugestão alheia, ou pelo cansaço à resistência. Mas tinha gostado com especial atenção do cachecol vermelho que eu vestia, e gostou-me por tabela. Estava claro que gostava do cachecol, e assim por esperteza e experiência nunca o tirei quando ela estava. Não a queria, nem estimava, nem sentia curiosidade, só não pude evitar querer domar o gato selvagem. Mas não era especialmente bonita, ou especialmente inteligente, e só se tornava mais intrigante que o resto pelo voluntarismo ocasional do meu capricho. De qualquer forma, me queria. Durante filmes franceses, fazia diálogos que pensava serem possíveis em vida real, e às vezes praticava com caras fatais em frente ao espelho, e quando esbarrava na ausência de um real querer por mim, era salva por acabar se sentindo ainda mais francesa. Enlaçou-se num relacionamento para fazer-me ciúmes, e fez, mas ainda não fazia sentido olhá-la como se não fosse minha, porque era, e seria. Sentava-se no meu colo em várias outras pernas, em especial porque teve quase todos quanto precisou, e quando se aninhava nos outros fechava os olhos, pensava no cachecol e regozijava-se na sensação de trair. Hoje com o relacionamento terminado, não me toca, mal me olha, e procura me machucar forçando sua presença no meu espaço quando me vê socialmente. Gosta de me desprezar sugerindo no rosto um sorriso que eu não poderia provar a ninguém, ou às vezes piscando os olhos de um jeito lento e incompleto, que faz com que se sinta gatuna. Confusa e ridícula, quer tudo.

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