10 de janeiro de 2008

Nada mais

Ainda me lembro que eram em 00h17 no visor verde do VHS em 17 de maio de 2003 e tocava Dido na televisão da sala, no canal de música da Directv, quando eu fiquei em pé e fiz menção que ele ficasse também e me abaixei e tirei as almofadas entre nós, tudo tão mecânico, e cheguei perto dele, e encostei meus lábios nos dele como queria havia tanto tempo, tudo tão mágico. E era o dia seguinte quando ele ficou do meu lado na sala sem saber o que dizer, nosso amor embaçando nossa amizade. E era outro dia naquele ônibus azul quando ele tirou a mão do repouso sobre minha coxa, onde estivera entrelaçada na minha, e secou na calça do colégio o suor do nosso nervosismo imaturo. E outro dia quando me mandou as cartas terminando nossa paixão. Dia seguinte quando eu queimava as cartas e incendiava a paixão em mim. Outro dia quando brigamos definitivamente, fim de amizade, para sempre, e chorei como se fosse o fim de tudo, como se eu só tivesse conhecimento da televisão a cores e agora me deixavam com a preto e branco. E outro dia quando ele me carregou nas costas pelas fileiras assombradas dos eucaliptos, eu com medo do que poderia haver no chão e nós com medo do que poderia haver no escuro. Outro dia quando peguei seu calção e camiseta emprestados para entrar na piscina. Outros dias. Outro dia quando lhe mostrei a Esplanada, o Itamaraty, a Praça dos Três Poderes, a secura, esse cerrado, e quando corremos para não perder o grupo de excursão às 16h30. Quando ele me recriminou com o olhar por ter tocado a mesa onde a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, mas é que não pude me conter. Outro dia quando lhe dei meu pingente e ele disse que nunca tiraria. Outro dia quando marcamos de nos encontrar depois, de eu almoçar na sua casa. Sua namorada que eu conheceria e seus planos e suas promessas e esperanças e tudo começaria de novo, recuperando aquele ano em que mal nos vimos, e sua mãe renovaria as esperanças que sempre nutriu de que ficássemos juntos. Outro dia quando caminhávamos pelas ruas com outros amigos, rindo, gritando, conversando, vivendo, mas ele já não vive mais. Já não o vejo rir alto dos meus contos, nem me olhar expressivo, tentando comunicar-se. Não vejo seus olhos que misturavam verde, mel, fel, fome. Ele já não cochila com a cabeça no meu colo, não me consome. Não me repreende por não tentar ser melhor. Não afaga meu cabelo tentando me consolar do que não pôde ser. Não se mostra mais empenhado cozinheiro, decorador, desenhista, poeta, amigo, irmão, filho, estudante, pessoa. Não me ensina o que leu nos livros nem confere gabaritos de prova. Não me escreve cartas contando suas paixões, como antes, não escreve poemas contando de si, como antes, não escreve nos olhos nossa história mal acabada, como antes. Não arquiteta planos, nem arquiteto virará, como queria. Não se senta à mesa do jantar, não se senta ao meu lado na sala de aula, não se senta no meu colo. Não me liga mais em festas, não se preocupa mais com estética, não engrandece coisas simples. Não joga meu jogo, não acarinha meu rosto, não vê meu esforço. Não me abraça de manhã, não acalenta esperanças vãs, não me diz seus sucessos. Não promete reencontros, não aparece senão em sonhos. Não fala disparates, não toma liberdades, não ataca crueldades, não abranda mais saudades.
Não faz mais que me preencher, nem faz mais que me esvaziar por ter ido sem voltar.

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