9 de outubro de 2013

Estava há três horas com os olhos através da janela. Num suplício por calmaria, estagnara o corpo imaginando que a mente seguiria o mesmo ritmo, seguiu. Era contudo, não a mente que o sacudia violentamente molécula por molécula, mas o estômago, que nem pensamento tem. Não tem? Pensa. Chovia leve e congelava-se ao seu redor. Mexeu o dedo mindinho da mão direita com tanta sutileza que não sabia se havia mexido. O mexer, entretanto sabia-o muito bem, era reflexo muscular dos movimentos de ontem, que ainda hoje encenavam o desejo no imenso espaço aparentemente oco entre as costelas e o estômago. Seria o estômago, seria o diafragma desregulado? Seria. Tomaram chuva e ficaram por muito na sensação dos pingos, estando gripados por artifício da estupefação. Chovera bem em cima do diafragma e do estômago. Este último, bem habituado a não saber nadar, soluçava ainda. Mexeu a perna esquerda. Esta sim, reflexo do incômodo, ajustava o batente melhor no calcanhar, para assim permanecer se fitando na janela porquanto o corpo suportasse pensar sem pensar, sentir sem sentir, estar sem estar. Começou pelo pé da barriga uma fileira de tremor extensa, chegava quase às costas nos dois lados, e por então perturbar o que nas mulheres se chamava de cintura, imaginou-se violentamente feminino. Seguiu suas sensações até o estranho fingimento de um espaço vazio dentro de si onde poderia colocar o próprio pênis, e com agrado imaginou-se sentindo o que fazia às outras. Não era mau, não, ser mulher; não poderia ser ruim especialmente porque não era de fato. Sabia-as com a atenção de quem as deseja apenas pelo prazer de desejá-las e de causar nelas desejo. Quando via-o, contudo, por muitas vezes extremamente mais total do que seu desejo de despertá-lo, fugia, acuado com a força que deveria ser fazer apaixonar uma mulher. Nunca tinha acontecido, ao menos não que soubesse e definitivamente não propositalmente. Tinha medo de tornar-se refém dos mistéros inventivos e temporários de uma mulher tonta de vontades. Tinha medo de ali permanecer como aqui permanecia, imóvel longas horas, imaginando sem imaginar, viajando sem viajar, sentindo, definitivamente sentindo, muito embora sem sentir.

Tudo isso não lhe ocorria. Ocorria-lhe uma sensação suspensa entre o espaço da pele e o fim dos pêlos da superfície; entre o contato com a cadeira e o espaço intransponível dos seus elétrons e dos dela; entre o vento e a percepção certeira e decidida de um sopro, extremamente pessoal, que se fosse a brisa era ela mesma então quem judiava seu pescoço em plena terça-feira.

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