"Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias." F. Pessoa
11 de dezembro de 2011
Curvo-me, muito além da linha do horizonte. Meu cheiro inebria os meus pensamentos de amor. Que saudade, Luiza! quanto tempo os seus hábitos..! quanto tempo o seu equilíbro. Ao longo dos alongamentos, uma sensação nova nos meus músculos antigos, tão sabidos, uma lembrança gostosa. Muita luta são inauguradas às marés dos aniversários. A lua parece uma benção quando tudo está fora de lugar: só ela existe de um tempo em que tinha sido mais tempo. Lavei as 24 horas muitas vezes; encolheu. E a realidade da sensação é na verdade o tempo de mim, que perco. Cada vez mais, mais atitudes requerem menos decisões, mais escolhas requerem menos escolhas, quanto mais queijo, menos queijo. No contrapasso, acumulo de assuntos, esqueço-os, sobe a maresia pelas pernas da minha memória. Por que seria preciso despertar quando todos dormem? Seguir em frente é sempre um desafio.
21 de novembro de 2011
não é da noite que tenho medo. tenho medo da solidão. sinto medo do que acontece quando o medo chega, sinto medo do silêncio. Tenho medo de mim, porque me sinto saudade, me crio expectativas. Sinto medo da diferença entre o silêncio de um só e o silêncio de dois. O medo é a falta de prática. O medo do medo é falta da meditação. Medo de ser feliz.
15 de outubro de 2011
Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.
Carlos Drummond de Andrade
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Paulo Leminsky
11 de outubro de 2011
Seu sutiã rendado coça a base do meu pescoço. Como ela é toda bege, me pergunto se não é do próprio peito a renda, se não é da própria vulva o pudor. Nem as unhas ela pinta de outra cor, eu a perco nos lençóis. O sol a explode, não sei se vem antes a pulverização ou o êxtase. E é essa sua qualidade bege que a impregna em tudo sem eu perceber, quando ela vira pó.
As horas se consomem; será possível que o paraíso está em algum lugar? O que será que o universo pensa a essa hora? Será que decide os destinos que se estendem numa pilha infinita na quina de sua mesa? Onde será que estou no universo das sinergias? Será que nasci na galáxia certa? Nada disso me aflige, o que me aflige é a minha cabeça.
2 de outubro de 2011
não me interessa pessoa alguma
na última instância do meu comboio subterrâneo
me interessa o espaço sideral
a vastidão
e digo de algumas coisas que são tão pequenas que não vejo
não me interessam as expectativas
me interessa o desejo,
mas não me interessa o tesão.
me interessa a curva, o vale, os morros
desse seu corpo estendido
na última instância do meu comboio subterrâneo
me interessa o espaço sideral
a vastidão
e digo de algumas coisas que são tão pequenas que não vejo
não me interessam as expectativas
me interessa o desejo,
mas não me interessa o tesão.
me interessa a curva, o vale, os morros
desse seu corpo estendido
27 de setembro de 2011
giro. Os dias escolhem-se entre si, sem qualquer consideração da minha rotina, do meu equilíbrio, da minha paz. Minha capacidade de preservar o futuro em seu lugar diminui à medida que o tempo fecha: é difícil ignorar a meteorologia sentimental. Em meio à ascensão do frio, à mercê da autoregulação do corpo, desentendida do quê, essencialmente nua e vestida, breve, os dias são surpresas ao meu temperamento escondido. O que me agrada, o que desagrada, é uma consideração de intensidade. O que me interessa, o que deixa, é uma questão de paciência se não é de sociabilidade. A sanidade divide minha mente em duas, a que para e a que continua. Dentro de mim é um sem tempo, sem som. Dentro de mim, só dentro de mim, se entendem os meus desejos, as minhas famas, se entendem os meus gostos e os meus nãos. Dentro de mim as pessoas me chegam sem sugestões, sem dúvidas, sem memória. Estão ocupadas em ocupar, e em calar-se. Dentro de mim, nos ventos de areia, me acreditam.
21 de agosto de 2011
20 de julho de 2011
Fátima, estive pensando em você pra você pensar em mim. Há um senso de justiça do qual não consigo fugir, como se as energias, oniscientes, me levassem até você como penitência de você me invadir com tanta brutalidade. Sei que foram as suas impressões que se forçaram sobre mim, que se exageraram porque não poderiam viver sem maltratar. Entendo que você nada tenha a ver com as necessidades da sua alma, e que a culpa que lhe imponho soe quase como um estrangeiro. Mas você não me engana, maldita, eu sempre soube dos seus propósitos. Muitos antes de você me disseram quem você era, e acima de tudo estavam muito irritados. Montamos uma associação que o Estado reconheceu, e ficamos responsáveis pelos seus danos não danificarem patrimônio público. Isso porque a estátua de Carlos Drummond em Copacabana sofreu danos irreparáveis; o culpado, quando pego, dizia eu também já fui poeta, bastava olhar para mulher, pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes, mas cê né mulher não, fátima, cê é um monstro. Eis que aqui, prostrada, venho lhe contar que fiz das tripas coração para arrancar as suas tripas, e agora com você em cima da mesa sinto uma leve dificuldade de amarrá-las nas minhas, mas sei que o tempo vai ser suficien
15 de julho de 2011
Não entendo Carla tão bem quanto o tempo diria. Imagina se sim! Noutro dia, tão invigilante, encostou-me à perna o suficiente de sua meia calça que de tão discreta chega indiscreta era. Tapeou-me no braço com o livro que abraçava, era a última virada até tomar seu lugar no metrô, em pé. Tinha feito renomado esforço para que conseguisse se apressar até a fechada das portas com tanta elegância que sua pressa seria breve holograma. Mas, os frufrus tirados, apressou-se preocupada para as portas que logo se fechariam, e num passo particularmente grande, apoiou uma perna dentro do trem enquanto a outra ainda estava lá fora, e com essa perna astuta cá de dentro foi dar de cara a pele e os pêlos da minha batata da perna.
Escrevi cartas as quais por pura indisposição da alma ela não quis responder, sem saber que aqueles eram os motivos da minha vida. Comecei telefonemas que ela nunca saberá, os que terminei antes ou os que deram erro de telefonia. Noutros fui até o fim e chamei sua presença duma tal forma que no fim da tarde pudesse asfixiar o ar da minha casa. Mas ela não, não podia, porque tinha sido longo o dia e principalmente porque aquela hora de asfixiar lá em casa já tinha começado e se desperdiçado um cadin
11 de julho de 2011
7 de julho de 2011
Encontraram-se na rua, fazia algum tempo que não se viam. Soube por sem querer se ouvir saber e vir a dizer que tinha terminado o namoro. E daí então com uma banda larga de velocidade social, fez chegar até de volta ao primeiro que já tinha reatado o lance.
- E as coisas com o retorno do seu namoro, como estão?
- As coisas? ..estão.. devagar.. e umas sobre as outras
- sexo
18 de junho de 2011
12 de junho de 2011
Estando em casa
Entrou em casa, um silêncio macerado. Nenhum móvel falava. Atentos, acompanhavam por onde iria, onde tocaria e qual seriam suas primeiras palavras. Uma das almofadas achou que não ia suportar, mas quando ela passou da sala para a cozinha, conseguiu desprender o ar. Encarou, nervosa, o rack da tv que, complacente, a observava de costas, lenta, passar pela geladeira. Passou uma das mãos pela máquina de lavar, alisando a palma, como um carinho que viesse de repente. No quarto, a mesa, a cama, o armário, cúmplices, disputavam serem eles os protagonistas daquela dor. Silencioso, o armário se manteve impassivo, não olhava para lugar nenhum, permanecia estático, de cima a baixo, gelado e sem propósito. Algumas imagens esgueiravam-se pelas beiras, querendo voltar e observar o meu adeus, como eu sofria, se sentaria, deitaria, ou continuaria o trajeto até o banheiro sem propósito algum. Algumas pernas conseguiram chegar às beiradas, e me viram encarar a mesa e enxergar sem decisão o travesseiro verde. O ar condicionado se escondia atrás da cortina, reservado. Não queria uma palavra, nunca quis. Vivia sozinho e sofreria sozinho, cada um que se virasse ali com o próprio penar. Já o bicho de pelúcia, coitado, sofria, sem colo, desesperado, sua mudez já uma realidade insuportável, tantas coisas que poderiam ser ditas para o consolo do dono, ou simplesmente quem sabe aprender a fazer pipoca e se predispor a assistir filmes. A cama box pôs-se à disposição caso ela quisesse dormir ali dentro, prometeu que não a engoliria se não quisesse. O insufilme na janela pediu desculpas por ser espelho; a tranca, tão triste estava. As luzes da sanca ao redor do teto cochichavam entristecidas, altivas, espectadoras como sempre, tão atenciosas. O próprio ventilador sentia o peso de um ar inchado. Os peixes anti derrapantes no chão do banheiro pediram que ela confiasse em sua cor amarela. As calcinhas penduradas para secar eram avessas à situação. Não ofereciam apoio, não concordavam, e se esforçavam para fazer volume com sua discordância da tomada decisão. O travesseiro verde abriu os braços. Bondoso, recostou a cabeça sobre a sua, e fez carinhos na altura do queixo. Disse-lhe: oh, meu bem, sofra, resigne em mim a intransponível dificuldade de amar.
8 de junho de 2011
Era um altíssimo caminho entre o chão e o batente para vê-la pelada. Tinha certeza de onde estariam os peitos, a curvinha do lados da barriga, até a descida oferecida do caminho do corpo para a calcinha. Mas o problema é que tudo isso ficava detrás do batente. E o batente, alto, não tinha fim. Pôs quatro dedos. Mais quatro. Um músculo realmente forte que deveria ter nas mãos precisava ser acionado: o objetivo era concentrar energia e subir o peso todo por aqueles oito dedinhos. Não deu.
2 de junho de 2011
A manhã, lenta, abriu seus olhos contra mim. A máquina dava um ar nostálgico ao meu sono modorrento; havia passado duas horas negando que já queria acordar. A música tocava como resquício da minha leveza. Não faço às vezes caso de abrir os olhos direito. A linha entre preguiça e pessoalidade se confunde com a vontade de não ser.
10 de maio de 2011
O mundo é muito doido
O mundo é muito doido. A independência só é realmente conquistada quando você conquista um computador pessoal.
2 de maio de 2011
Os almoços têm sido todos esquisitos. Rápidos, o brócolis não se chama mais brócolis, o arroz não é mais arroz, tomate não atende pelo nome de tomate: tudo agora, indistintamente, se chama comida. Quando não, fome. A carne dá o ar da graça quando quer. As horas são todas uma loucura, do rachar do sol ao nascer da luz, ar condicionado. Respiro; junto, o mac. Sofrido, coitado, ainda sem tempo de ir à autorizada ver porque é mais difícil que os outros que conhece. Sinto estranhas dores nos olhos que são as primeiras de sua geração. Mantenho uma relação doentia com o celular, apesar de não lhe ter afeto quase algum. Penso em fones de ouvido, HDs externos, mas não sonho. Muito corrida, a criatividade faz piadas, em geral muito obscuras: seres sobrenaturais saídos de privadas e olhares através da porta - acha que esconde que está difícil. Pensar sem pensar estraga o dicionário.
26 de abril de 2011
Lorena é mau, terminou comigo às vésperas do meu aniversário! Não, do dela. Não, do feriado do descobrimento. Não, da Páscoa; não, das férias do meio do ano; não, do dia de nossa senhora aparecida; não, da semana do saco cheio; não, do dia das bruxas; não, do dia de finados; não, do natal; não, da virada do ano; não, mas perto do carnaval Lorena não quis terminar, não. Lorena sempre terminava às vésperas. Outro dia não gozou. Depois fui logo especificando que eu quero que seja quando estou dentro. Lorena disse que sempre o que está fora é por falta de espaço.
13 de março de 2011
só pra saber
Não se preocupe, meu querido, a saia rosa e o conjunto de lingerie branca não jogarei fora. Três números do meu telefone estão quase apagados, e por mais que tenha a certeza de que são o três o quatro e o oito, pergunto-me sempre que o encaro se não podem ser outros. Essa colcha verde me confude os olhos, e também os quadros na parede não me dão mais certeza de que fui eu que os escolhi. Comprei um peixe para fazer no final de semana e a receita da internet pareceu estranha, pelo tino culinário que peguei de você acho que receitaram alcaparras, manteiga, azeite ou creme de leite de mais, mas não sei qual, quer dizer, não peguei tanto o tino assim, é difícil. Tenho uma pilha de papéis em grego, e eu não leio grego, me pergunto se são seus, mas têm o emblema da minha empresa, acho que já soube grego então. É que só a língua que tenho falado é basicamente a da Sessão da Tarde, mas ainda assim não compreendo as figuras que eles mostram, é como se fosse uma pretensão de Kandinsky culminando em Paulo Coelho, e daí me lembro daquela capa da Bruxa de Portobello com um dedo e um peito, e acho despropositado e antiestético. Encho garrafa de Matte com água agora, tenho toda uma coleção na geladeira e passei a comprar também o diet, por mais que não goste, para ampliar a variedade de rótulos. Enfim, estão batendo nove horas já, eu sei que você não costuma mais vir aqui, mas, onde você está?
27/06/2009
25 de fevereiro de 2011
Nada que poderia ter destino se destinou, e ficaram pernetas os caminhos que se pretendiam entre uma coisa e outra. Nada foi para mim, em nenhum lugar, e todos os corpos que tomaram lugar em meio ao desperdício de dia e noite tentaram se fazer presentes por uma ou duas temporadas sem importância. Em mim, pulsava qualquer coisa impossível e sem porquê, um amor que, travesti, era travestido, se transversalizava e, tendo transado, já não transava mais. As minhas pessoalidades se tornaram de tornado a um pequeno redemoinho de folhas, leve, brisante, desimportante, decepcionado, cansado, deselegante e deslocado. Todos os miúdos que não estavam em seus lugares não se erguiam nem abaixavam, eram pequenos autônomos zonzos em si mesmos, companheiros de longa data para longas datas. Meus rebuliços se abaixaram e o meu amor foi lentamente tomando o seu curso, para seu lugar de direito, à diferença de que agora jjá não existiam as suas coxas na coxia, nem suas coxas faziam mais diferença. À dureza da minha dupla personalidade, passamos, eu e eu mesma, a amar a mesma pessoa, e a sua pele desdatada suspendeu-se no branco que gostaria de ter. Não fomos, nem seremos, pela eternidade, o que poeticamente não foi. Não temos nome, não temos romance, e tampouco temos testemunhas, como havia de ser para o homem que em mim não nasceu. Todas as minhas paixões que teriam sido, se tivessem sido, não foram, nem agora guardam espaço na minha afetividade bem destinada. Tudo ruído se torna um desfoque de inexistência; todo ruído, nós dois, num só bolo de cabelo pertinho do ralo, com alguns nós de poeira molhada.Nenhuma nota finalística teve a importância de ser. Não chegamos ao memorando de perda, ao fim do amor, à dureza de qualquer coisa que deveria ser dureza. A despeito da nossa loucura, da perda de sanidade corporal, lembraram-nos constantemente dos nossos trejeitos, dos nossos traços, dos nossos músculos e do tipo de roupa íntima que usávamos. A despeito dos nossos dedos ágeis, das nossas temperaturas e de alguns choques, não houve temperatura, eletricidade ou estática. Nada houve entre o céu e a terra que não vamos esquecer. Nada houve para esquecer entre o céu e a terra, nem o céu, ou a terra, ouvem.
22/11/2010
Assinar:
Postagens (Atom)