"Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias." F. Pessoa
12 de junho de 2011
Estando em casa
Entrou em casa, um silêncio macerado. Nenhum móvel falava. Atentos, acompanhavam por onde iria, onde tocaria e qual seriam suas primeiras palavras. Uma das almofadas achou que não ia suportar, mas quando ela passou da sala para a cozinha, conseguiu desprender o ar. Encarou, nervosa, o rack da tv que, complacente, a observava de costas, lenta, passar pela geladeira. Passou uma das mãos pela máquina de lavar, alisando a palma, como um carinho que viesse de repente. No quarto, a mesa, a cama, o armário, cúmplices, disputavam serem eles os protagonistas daquela dor. Silencioso, o armário se manteve impassivo, não olhava para lugar nenhum, permanecia estático, de cima a baixo, gelado e sem propósito. Algumas imagens esgueiravam-se pelas beiras, querendo voltar e observar o meu adeus, como eu sofria, se sentaria, deitaria, ou continuaria o trajeto até o banheiro sem propósito algum. Algumas pernas conseguiram chegar às beiradas, e me viram encarar a mesa e enxergar sem decisão o travesseiro verde. O ar condicionado se escondia atrás da cortina, reservado. Não queria uma palavra, nunca quis. Vivia sozinho e sofreria sozinho, cada um que se virasse ali com o próprio penar. Já o bicho de pelúcia, coitado, sofria, sem colo, desesperado, sua mudez já uma realidade insuportável, tantas coisas que poderiam ser ditas para o consolo do dono, ou simplesmente quem sabe aprender a fazer pipoca e se predispor a assistir filmes. A cama box pôs-se à disposição caso ela quisesse dormir ali dentro, prometeu que não a engoliria se não quisesse. O insufilme na janela pediu desculpas por ser espelho; a tranca, tão triste estava. As luzes da sanca ao redor do teto cochichavam entristecidas, altivas, espectadoras como sempre, tão atenciosas. O próprio ventilador sentia o peso de um ar inchado. Os peixes anti derrapantes no chão do banheiro pediram que ela confiasse em sua cor amarela. As calcinhas penduradas para secar eram avessas à situação. Não ofereciam apoio, não concordavam, e se esforçavam para fazer volume com sua discordância da tomada decisão. O travesseiro verde abriu os braços. Bondoso, recostou a cabeça sobre a sua, e fez carinhos na altura do queixo. Disse-lhe: oh, meu bem, sofra, resigne em mim a intransponível dificuldade de amar.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário