24 de junho de 2008

A velha e todo o tempo do mundo

Sentava-se com a sacola nos pés e a bolsa no colo, um pouco sobrecarregada com também o saco de mixiricas. Não pareceu surpreender-se com o tranco do metrô, ainda que o pescoço tenha sido puxado para trás com força e logo em seguida um pouco propulsionado para frente. Quando a olhei, estava já na metade de uma das frutas, e sugava um de seus gomos com tanta força e com uma boca e dentes tão frouxos que era-lhe impossível que não emitisse sons. Era velha e feia, e tinha as costas um pouco curvadas por força antiga e insistente da gravidade. Os cabelos pretos que iam terminar num coque intercalavam-se com os brancos, já resignados e ainda um tanto desarrumados, grossos demais para que pudesse discipliná-los. Olhando o gomo laranja que agora lhe estava preso entre os dedos, chegava eu a ter dó dele, que rapidamente emagrecia e morria nos dedos de pele esticada e murcha, e cujas sementes eram cuspidas sem cerimônia no saco flácido. Lá, esperava ansiosa uma segunda mixirica, encolhida em seu canto tentando fugir de sua dona, e por estar escondida por acaso sob parte da roupa preta, acreditava que havia sido esquecida, mesmo que estivesse envolta em plástico transparente.
Depois de algum tempo e trancos, fechou o saco com calma, amarrou-lhe a boca e colocou-o dentro da sacola vermelha que dormia aos seus pés, perto de seus sapatos de avó. Então ajeitou-se, esticou o tronco, alisou a saia e um pouco da panturrilha coberta de meia-calça negra, e ainda puxou as lapelas de seu blazer surrado. Abriu a bolsa e retirou um livro cuja capa denunciava ser da mesma coleção que o meu, mas, sem óculos, não pude distinguir as letras que o encabeçavam, que dirá a sinopse no verso, que ela me mostrou como se soubesse da minha presença ali, ou da minha atenção grudada em si. Virou-o, então, de barriga para cima, e por um tempo apreciou sua capa como se não o fosse abrir, mesmo como se tivesse preguiça de fazê-lo. Ajeitou os óculos amarelados no rosto flácido, erguendo as sobrancelhas para ajudar a desgrudá-los da pele; acarinhou por um segundo seus companheiros pretos e brancos na cabeça e mais uma ver puxou para o lugar as abas da jaqueta de linho. Realinhou as pernas que terminavam nos sapatos gastos e na sacola, olhou rapida e atentamente a saia, ajustou as escápulas nas costas do banco vermelho e azul e mexeu os músculos do nariz, brevemente testando a nova posição dos óculos. Então, corriqueira, inclinou o livro de capa dura nas mãos riscadas o suficiente para fazer abrir suas páginas com mais facilidade e, alisando a página com uma das palmas, começou a ler como se tivesse todo o tempo do mundo. E quem sabe tinha.

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