Os poetas, sabe-se lá por que - eu não sei -, tem dessa de evocar a infância. Como se fosse ventura maior, como sendo o auge de suas vidas, pela beleza de suas perninhas firmes sem a necessidade da malhação. Eu, quando me dava por poeta, não evocava a infância. Não que não a tivesse como cara, ou que não a tivesse de todo - há quem não tenha -, mas só que a infância não me tinha mais beleza que o agora. Também eu-poeta não era algo que valia ouro. Com um quê de ambição infecciosa -que ainda tenho-, gostava de achar que seria importante, quem sabe que mudaria o rumo da poesia brasileira!, e até quebrava padrões linguísticos e me metia a tomar o errado pelo certo e a colocar certo no errado - e penso que ainda o faço; afinal, no que melhorei? -! Escrevi de Chico, de Vinícius - que tinha como caro; não mais o tenho assim tanto, pois que reconheci que não o conheço -, de tristezas, um pouco de amor - o pouco que soube - e outros atrevimentos, mas não escrevi de infância. No máximo escrevi daquela minha juventude à toa que achava que tinha, e invocava mamãe para substituir a andorinha de Manuel Bandeira - que é o homem mais bonito da Terra. Mas não achava a aurora da vida os anos de pique-pega e esconde-esconde, nem de cabra-cega, nem de gato-mia. Achava que a aurora da vida ainda não tinha chegado - e não tinha -, e seriam os anos que são esses de agora, e olha!, estou de acordo com minha cabeça de 17 anos - vá lá (raios de expressão portuguesa!), dois anos podem mudar muita coisa; para mim mudaram. Creio que, se ainda hoje em dia não tivesse perdido o ridículo de querer ser poetisa - nada de ofensa aos poetas, é que não tenho lá muito talento -, teria como tema mais querido a sensualidade, a sexualidade, o feio como belo, o caos e o estar sozinho no mundo. Quanto à sensualidade e a sexualidade, às vezes tenho como problemas, porque me parece de tempos em tempos que sou mais ligada a isso que o resto, mas acho só que o resto esconde melhor e tem a triste qualidade de disfarçar interesses com exímia habilidade. Mas enfim, bendita a hora em que larguei os versos e resolvi escrever em linhas contínuas. Na oitava série fiz uma série de poemas tão medíocres e fui elogiada pela professora com tanta efusividade que hoje isso se tornou até emblemático de quão ruim era minha poesia. Alguns dos poemas fiz com o mais ridículo e insignificante concretismo, tendo como simples e único objetivo o de parecer domadora de palavras e construções e técnicas e tudo menos mediocridade. Ela achou lindo e usou em escolas públicas. Depois nós não entendemos a qualidade do ensino... Mas não tenho tino pra poesia. Minhas preferidas são poucas - porque poucas valem alguma coisa -: uma feita numa aula de Introdução à Ciência Política, que começou baseada na professora e terminou em 'Amélia que era mulher de verdade'; uma que pretendia ser sobre tudo, e para mim foi; uma que se perdeu em computadores e era minha predileta, e agora só me lembro do verso 'como navios em estaleiros', que era o nome - e eu descobri que conhecia a palavra 'estaleiro' quando ela me veio de repente para fechar esse verso (acho que a professora da oitava tem esse poema) -; a que matei Gabriela; e outras muito poucas das minhas infindáveis tentativas. É bom que não passo a vergonha de me crer divisora de águas quando sou nem divisória de páginas.
divisora de instantes belos, vá lá, em parágrafos. com o feio agoniante que isso também pode ter, ou com o inquietante ou o ressentido ou o resignado e toda essa gama de frustrações. ou o contrário também, vá lá. aliás, adoro essa expressão portuguesa.
ResponderExcluirtamém gosto muito rsrsrs é até irônico
ResponderExcluirE vc ainda acredita que pode ser divisoras de água, Luiza. Sabe porque? Porque ainda que os anos nos traga a sagrada humildade, nos resta o sonho, nos sobra o desejo e quem sabe um punhado de presunção. Ademais, é isso que faz vc escrever tão de dentro, é isso que faz as palavras tomarem cadência e é isso que delineia os sentimentos. Pois a vida é meio, assim, uma contradição(?).
ResponderExcluirE vc ainda acredita que pode ser divisoras de água, Luiza. Sabe porque? Porque ainda que os anos nos traga a sagrada humildade, nos resta o sonho, nos sobra o desejo e quem sabe um punhado de presunção. Ademais, é isso que faz vc escrever tão de dentro, é isso que faz as palavras tomarem cadência e é isso que delineia os sentimentos. Pois a vida é meio, assim, uma contradição(?).
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