10 de junho de 2008

Boa noite, e boa sorte.

Sentei-me no meio daquele quarto largo, meus escritos espalhados pelo chão de cimento, e sorri para eles, meus amores, compreensivos e pacientes comigo como nem eu sou. Abracei-os e amassei-os e amei-os como não amam a mim, como não se ama a ninguém, sem o pudor sexual de lhes roubar os gritos. Senti um pouco de dó por eles(,) por isso, todo mundo deveria sofrer o ataque do ímpeto sexual de alguém. E os acarinhei a testa, ajeitei-lhes os cabelos, beijei-lhes os rostos como uma mãe e os pus para dormir em meu peito. Senti-me miserável por serem eles miseráveis, mas senti-me realizada também por haver quem os aninhasse, mesmo que sendo eu. Vi impassiva o sangue escorrendo pelo pescoço de um e olhei para minha barriga em meu automatismo egoísta e achei ali o mesmo caminho de sangue. Sorri e toquei-me com os dedos delicados, como delicados não são quando louca(e então sã) estou, e percebi que por mais que o limpasse, mais viria, e então deixei-me esvair mesmo naquele chão áspero, e até aprendi a achar um tanto bonito depois de algum tempo. Peguei uma barra de cereias e uma revista qualquer só para passar o tempo enquanto permanecia sentada ali, tentando fazer com que eles dormissem, com que eu dormisse, com que pelo menos um pouco de mim dormisse. Mesmo como fazemos na sala de espera do dentista. Passei a mão no pescoço, lembrei-me do problema de coluna, deitei-me do chão com os escritos para me fazer mais próxima, contei-lhes estórias que desconheciam, beijei-lhes novamente, amei mais uma vez suas palavras, apreciei seus pontos finais e suas vírgulas, achei-os belos e feios, mas ninguém pôde dormir. Estávamos atentos e em guarda, nos protegendo de qualquer brisa - que se diria boa - que pudesse vir de quaisquer dos lados, nos abraçando para nos manter vivos; cada parte, se sumisse sem o consentimento das outras, decretaria o fim de si e de todos. Abraçávamo-nos todos sem carinho e sem afeição, preocupados com nós mesmos e com o fim que espiava atrás da porta, esperando pelo momento em que nos perderíamos de nós. Iludíamo-nos pensando em nossos laços, pensando que eram de amor, enquanto nos agarrávamos feito animais, nossa essência toda à mostra, beijando-nos com as bocas espumadas de medo e tormento. E depois de tanto tempo, de fazermo-nos rede, cabana, barco, savana; depois de nos protegermos da chuva, dos raios, dos maremotos e dos desmaios; depois de tudo isso nada mais veio. E ainda que estivéssemos felizes por avistar novo abrigo e avistar nova vida, morríamos em silêncio e estranhamento por não sermos mais a vida um do outro.

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