20 de março de 2008

Que lindo, não é?

Que me esbarrei um dia com uma senhora a meio caminho de algum compromisso, mesmo asim tão velha ainda algum compromisso, e seu rosto não tinha tanto cansaço quanto o meu.
- Com licença. Olá. Eu comprei essa passagem de ônibus que vale para três viagens, mas só precisei usar duas. Como estou indo embora da cidade dentro de meia hora, não precisarei mais dela. A senhora quer usá-la?
É lógico que sua mão acreditava, pelo jeito que aproximou-se de mim e abriu os dedos para receber o papel ainda bem conservado da passagem comprada há uma hora. Mas ela mantinha nos olhos qualquer expressão de incredulidade que precisava de confirmação.
- É que estou viajando hoje e jogaria a passagem no lixo, mas não sei, talvez a senhora queira usar.
- Sim, sim, obrigada, e sorriu como se eu fosse sua neta.
- Não há de quê. Sorri deixando-lhe o bilhete na mão semi-aberta, indo já atravessar a rua.
- Obrigada, repetiu com aquela voz antiga que te faz crer que todas as pessoas de idade são boas. E como um último desejo para alguém que lhe fez bem -e o bem hoje tão raro é que qualquer boa ação é motivo para votos de eterna felicidade- e que jamais veria novamente, disse: Boa sorte.
E chamou-me atenção que não tivesse ouvido daqueles lábios franzidos o nome de Deus, nem o sino dos anjos, nem ouvido hinos de louvor, nem chuvas de bençãos.
E pareceu-me então finalmente simples que eu não acreditasse em Deus.

2 comentários:

  1. como aqui em brasília não tem essas promoções de ônibus compre uma e leve tres, eu só ajudo as velhinhas a atravessar a rua com as compras. O pior é que algumas ainda me batem achando que eu sou assaltante.

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  2. o mito instala-se cedo: os que acreditam em Deus, "vêem" uma figura idosa de barba branca longa, varrendo o mundo incansável e inexplicavelmente conseguindo estar e não estar ao mesmo tempo, falhar clamorosamente em quase tudo e acertar em pouco, sendo por isso reconhecido.

    Que inveja: eu humano quando falho não sou perdoado e quando acerto ninguem liga.

    Se calhar ele existe mesmo, só para me contrariar.

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