13 de outubro de 2008

De vinte e quatro de julho de dois mil e oito, às duas horas, três minutos e nove segundos da manhã, guardado como de "De mim",de cujo nome não gostei

Entro e apago a luz de um só gesto como se me dissesse que, no escuro, posso ser sincera. Há somente sombras, sobras e penumbra. Um colchão, um copo de água vazio, livros e o violão. Parece subsistência. É lindo. Apago a luz como se ligasse o escuro de mim, meus esconderijos baratos semi-rijos. A luz que cruza a janela nua é laranja, de poste, a lua mora do outro lado e por hora desce o céu, e virará minguante em pouco tempo. Por curto tempo posso fazer jorrar minhas verdades e por um momento, breve que seja, posso saborear o gosto incrível de já não me esconder. Escureço. Olho essas minhas olheiras de gente nova com negritude na alma, de gente corruptível e de gente pouco corruptível, de gente de muita moral, da mais comum. Encaro-me quase curiosa, e por pouco não acho bonito esse sofrimento pelo qual me faço passar. A roupa do armário é quase uma pessoa, os vestidos quase me tem e os sapatos na prateleira mais baixa, que é o chão, terminam o que quase forma um corpo inteiro: sou eu. Há também sutiãs e parte da bolsa da outra aparecendo pela porta mal fechada do armário embutido. E há eu, sentada só, buscando a mim mesma com pretensões de nobreza, mas sem buscar-me por ela. De repente, porque é nisso a que tenho-me reduzido nestes últimos dias de submissão e calor, subo por suas pernas lisas e afago seu cabelo negro, e cresço em seu pescoço e ela em meu corpo, descubro seus cheiros e gosto, seu gosto, e seguro-lhe a nuca violenta e, como hoje fantasiei, digo que ainda não a amo antes de a beijar. Também arranho outras costas, mais largas e de outra fruta que não pêssego e puxo cabelos menores e que me amam mais que os dela. Levanto, acendo um cigarro, paro e penso em mim. Pouco verdade, penso em nada. Sou. Sem hobbs de seda, pensando estar num filme, expondo meus seios para a rua, para os vizinhos que nunca viram filmes franceses, nem ainda entenderiam meu viver. Viro-me. Não sei o que quero ver. Seu corpo ainda jaz largado sobre a cama e os lençóis, e seu sorriso atravessado não é tesão, é amor. Isso me mata. Como tudo de errado muito certo que tem me matado. Essas coisas certas e certeiras têm me matado. Em outro prisma, ela se encosta na parede de entrada do corredor e me vê jogar fumaças com o hobb mal amarrado. Sorri entre dentes pelas minhas costas. Não me ama. Sente começar a me amar e quase desespera. Não o faz pela sensualidade do momento. Tenho que parar de pensar. Quero viver. Preciso. Seguro sua mandíbula com força, quase como se a fosse lançar ao chão num só gesto de desgosto, mas noutro de perdição lanço-me, beijo-lhe os lábios sem amor, sem amor, sinto suas mãos procurarem-me, seguro-as, aperto-a contra a parede, não respeito suas vontades, não as quero, quero só a si, nesse momento, agora, ou ela ou a morte, os dois misturam-se, os dois são um o outro, e por fim morro. Deitada na cama abro os olhos para o teto, pensando encontrar a beleza em ser deixada. Sorrio, a luz ainda é laranja, ainda é de poste, e a lua sobe do outro lado nova. Rio só, sola, solamente una vez y nada más. Arranho-me o rosto, é quase um prazer, a dor se pinta de prazer, depois sangra. Agarro-me aos lençóis e há sexo mesmo assim, mesmo só, sem nada, nem mim, já não há nada. O violão, as roupas, o copo, os livros, tudo continua; eu também. O quarto é o mesmo, mesmo as malas ainda estão deitadas ao meu lado. Mas só elas. Não virão me buscar. Não ouvirei ruídos de sapato, nem sequer tive tempo para me acostumar a eles. A parte da bolsa que mantinha-se fora do armário e viu nossa guerra me olha, sente dó, quase chora por mim, e volta a dormir, é só o que pode fazer. Os sacos plásticos parados no canto do quarto nem sequer ventaram, nem fingiram voar, nada. Ainda se abraçam, um dentro do outro, e eu vazia. Não me dizem que me avisaram, mas nem isso parece bom. O estômago ronca, fome. A capa do violão encosta-se na parede torta, tem o mesmo problema de coluna que eu. Os carros passam, fora, longe, ainda não tenho carteira e o mundo não é meu. Nem ele. Nem ela. Nem ela. E me ligará depois, terça de tarde, para favores sexuais. Mais fácil que páginas amarelas.

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