1 de dezembro de 2007

Sobre mim, como todos os anteriores

A escuridão escondida no fundo dos olhos, quase por trás da retina, que é para não ser vista nem por si mesmo, mas já está dentro de si. A gota de limão no corte do lábio e o fechar de olhos forte depois disso, para fazer passar o azedume que se engole noutras ocasiões. E de gota no lábio, o limão agora já está na garganta, e até hoje não entendo como é que, estando na garganta, ele impede a lágrima de cair dos olhos. O corte no mindinho feito com a folha A4 astuta, rápida e decisiva, bem na altura em que a junta dos ossos faz dobrar a pele e apertar o machucado. A folha A4 que deveria conter a carta que eu lhe escreveria, mas que já é mortal por si só, sem meus escritos, quanto mais com minhas palavras viciadas, vis e viscerais. E as vísceras já cheias de limão e o cérebro temeroso da verdade dessa frase, e temeroso da exposição ao sol, que faz tatuar tão profundo as marcas das escolhas. Minha alegria é meu cansaço, como diz uma das possíveis interpretações do que Adriana quis dizer, porque meu cansaço é minha certeza de resistência. E que tão ridícula é a resistência daquilo que foi escolha própria. Caminhos tantos e tão cruéis, tantos e tão realizadores e o acaso, nossa metafísica, e nossa intersubjetividade, nossa metafísica. Caminho tanto e chego sempre ao mesmo endereço, do lado de cá pra quem me repudia, de lá pra quem bem me quer. Na realidade, nem caminho tanto, vou mais de ônibus e metrô, sem me meter na vida dos outros e sem dizer bom dias e, quando dizendo-os, não esperando retorno. E cada um no seu microcosmo sentado do lado de quem pode ser seu salvador, mas está mais perto de ser quem o pregará na cruz. E as mentes que se esquecem que somos todos homens e todos homo por todos sapiens. Mas somos todos brutais, mais que macacos e mais que leões, mais que as divisões e as barras das celas, mais que as ruelas e os becos, que ainda para alguns servem de abrigo. Mas somos todos desabrigados pelos outros e todos de roupas rasgadas e caras com máscaras porque todos tememos a beleza não idealizada e não exagerada, a beleza que não se leva para cama no fim da noite, a beleza que não se vela no fim da vida, mas perdura nos olhos de quem a descobriu sem querer e não sabe onde guardar. E nossas mãos seguras nas bordas dos bancos e nós que vemos os bandos que se cruzam sem ser ver. E o excesso da falta do que sustenta e do que dá sentido, e a falta dos velhos vestidos e de tirá-los aos poucos como um dia não se previu. E a lembrança da secura do tempo e a vivência da secura das pessoas.

Um comentário:

  1. ai lu, o tempo é seco demais. as pessoas também.

    mas ultimamente por aqui anda úmido. as pessoas, de alguma forma, também. eu, mais ainda.

    (sem pensamentos libidonosos. fik dik.)


    achei lindodemais o escrito seu.

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