Faz tempo, algum tempo, que ela sumiu. Já não sei mais seus dias, suas aspirações, suas dificuldades, seus suspiros. Não sei o que quer nem se quer algo, se persiste ou se já desistiu, se ainda afoga no peito alguns sentimentos controversos que insistem em não ir embora. Não sei mais de si. A distância, o cansaço e o comodismo continuam a mitigar nosso contato, continuam a reduzir nossa presença até talvez o momento em que seremos mais duas estranhas ou duas amigas distantes cuja amizade congelou e que esperam ser capazes de fazer descongelar no momento do reencontro. Não gosto de contar com essas esperanças vagas e não mais intensas que a possibilidade de não se concretizarem, mas se ela quiser manter para si a certeza de que isso ocorrerá, não posso fazê-la acreditar na incerteza, nem quero.
Faz tempo que não a faço crer em nada. Faz tempo que não a faço crer em mim. Vive de lembranças e passado, de recordações de cores quentes ou frias, não sei, não sei mais do que vive. Possivelmente ela dirá que não preciso fazer com que ela creia em mim, já foi feito, já há a crença. Não gosto nem me baseio nisso, ainda que goste e, por vezes, me baseie. Nossas palavras têm uma intensidade mais branda agora, e não fui eu quem quis, nem sei se foi ela, talvez tenha sido o acaso, mas o acaso freqüentemente tem nome, ou é fraco, ou é mentira. Ou é realmente acaso. Não sei mais o que ela quer, mas suspeito que o mesmo que sempre quis em relação a nós. Creio que continua tudo forte dos dois lados da corda, mas não continua mais tão nítido, e não sei se a corda continua no mesmo lugar. Constrói-se com tanta dificuldade e perde-se tão rápido.
Não nos falamos mais tão sempre. E as certezas, quando vêm, vêm das fotos sépias. É lógico que estão guardadas, é lógico. Quando vejo aquela em específico, aquela espontânea, que eu só descobri que havia sido tirada quando me mostraram, sinto o aperto do tempo e o cansaço dos olhos, que se estreitam e tentam vencer a hipermetropia e o astigmatismo para ver para além da imensidão das águas. E então penso no quanto essas águas parecem um córrego em relação a outra pessoa, e sinto um orgulho tão grande por isso, por nós dois.
E era tão assim com ela. Mas gosto que ela tenha seu próprio tempo e espaço, que dedique-se a outras coisas que não a estar em casa vendo minhas palavras pelo computador. Gosto de saber que está bem e que o dia-a-dia tem sido bom e todo o resto. Mas não sei. Ouço outras vozes contar um pouco de si, para eu saber se vive ou se está já com um pé na cova; ouço meias histórias e contos e fábulas, mas não a ouço. E de repente, de uma vislumbre através da janela, atiro-me logo ao mar ao saber que nem tudo está como esperado, mas perco-a de visão rápido e, sem bóia e cansada, volto ao cais para aumentar o grau dos óculos tentando alcançar o Brasil com os olhos mais uma vez. Culpo-a. Mais do que queria, porque não queria, mas culpo. Sou humana, como suspeitava. Mas não cobro, tento não cobrar, tento muito não cobrar. Cada um tem seu espaço. Eu só espero que ela não vá longe demais.
"talvez tenha sido o acaso, mas o acaso freqüentemente tem nome, ou é fraco, ou é mentira. Ou é realmente acaso."
ResponderExcluiradorei especialmente este trecho.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir