5 de novembro de 2007

Sobre eu e meus primos

Hoje vi, às três da tarde, postes com luzes acesas, precipitados já em tirar-nos do escuro. Quietos, estáticos, mudos e obedientes, mal sabiam que faziam um trabalho já feito, que iluminavam o que já estava às claras, pois se nem Berlin escurece às 15h no inverno, que dirá Lisboa, e ainda por cima com um verão que, para infortúnio dos portugueses e sorte minha, parece recusar-se a ir embora.
Talvez eu deva sentar-me no viaduto que eles pensam colaborar na iluminação e conversar com eles, saber há quanto tempo vivem nessa condição, como foi acostumar-se a ela. Estamos parecidos, esses dias. Esses tantos dias. Vejo seu mecanicismo, sua cegueira de não questionar razões e fazerem seu trabalho calados marcados nos meus passos frios de todos os dias. Conheço a sensação de só obedecer, de continuar, de manter-se estável. Esse determinismo tem feito o que de mim? Odeio marionetes. Acho-as feias e desengonçadas, estúpidas e sem graça. Só não digo que sou uma delas pelo fato de que sou eu (sou eu?) quem comanda meus fios, minhas linhas, minhas condutas. Não sou um poste por essa mesma razão. Mas sou prima dos dois. Nem todos têm uma família ideal.
Até quando irá o conformismo de viver os dias sem tesão? Quanto tempo durará a felicidade contida no observar da felicidade dos outros? Quanto tempo o sorriso se manterá no rosto que se lava de noite, que se lava por dentro, que não renasce todos os dias como antes, mas que gruda no rosto e nunca mais sai porque, se sair, é possível que não volte? Por quanto tempo a tecnologia saciará, as palavras serão suficientes, as certezas serão certezas e as dúvidas serão secundárias? Por quanto tempo seremos eu, eu mesma e a ausência de Irene?
Sinto mais por mim que pelos detalhes das coisas o fato de eles estarem gradualmente assumindo tons de cinza. Distinguo criminosos pela escuridão da sombra sob seus olhos, não mais pela presença ou ausência dela. Tudo é cinza, tudo é pálido, as diferenças antes gritantes das cores de Kandinsky espalhadas pelas ruas são agora a arte das fotos em preto&branco, mestres em dramatizar exponencialmente uma cena triste ou de congelar um cenário alegre como a memória mais distante dos nossos dias de ouro. Sinto muito mais por mim.
Mas, por vezes, alguém se aproxima. Ironicamente, aproximam-se todos para, sem saber, piorarem minhas condições inerciais. Tiram-me do meu casulo conchegante para me darem a esperança de uma aproximação externa, de um contato desconhecido. Mas, curiosos da minha terra encantada, relembram e cantam as graças da minha pátria e concordam com a escuridão do exílio, com as características do Velho Mundo com as quais não me identifiquei, nem me enamorei, nem quis, nem quererei. Lembram-me do gosto das frutas da minha terra, relembram Alice das delícias de Wonderland e depois vão embora sem nunca mais voltar, sem achar que deveriam voltar, sem achar que os sorrisos criam laços e iniciam relacionamentos.
E dou meus sorrisos de graça em praça pública e, como tudo que é dado, eles perdem seu valor. Significam mais nada para mim, a não ser mais um simbolismo do esforço em vão, a luz dos postes precipitados que os mantém na sua vida de todos os dias.

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