15 de novembro de 2007

Que azar

Como ponto de luz na neblina do cotidiano, o aviso no quadro-negro(branco) da sala e a voz conhecida de um dos únicos portugueses do dia-a-dia que me tem o apreço anunciavam uma palestra sobre apropriação e repapropriação do espaço na cidade do Rio de Janeiro. "Uma palestra conferida por um antropólogo brasileiro", o professor havia dito. E, então, lá fu eu na intenção acadêmica de saber mais sobre um dos lugares mais conhecidos do País e noutra, um tanto tola, de matar, de alguma forma, a saudade de tantas coisas.
Pois que agora, enquanto vou dizendo tudo isso, o palestrante lê o texto à sua frente. Aham, . (Isso foi escrito durante enquanto ele palestrava.) Mas ah, amigo, se eu quiser ler, compro-lhe o livro que o senhor disse ter resultado do relatório da pesquisa que o senhor conseguiu descrever para nós até quando podia demonstrar o estoque de conhecimento que compõe o quadro teórico sobre o qual o senhor se deita à noite.
E então, de forma inesperada, nenhuma saudade foi velada hoje; pelo contrário, algo esquecido renasceu. Havia sido trazido à luz mais cedo esse dia (pela Mari - a irmã), mas não com tanto impacto como agora.
Lembro daquela bonita filha de diplomata brasileira nos dizendo que, em Portugal, na maioria esmagadora das vezes, tudo que é atribuído a um brasileiro o é feito por, antes de mais nada, ser brasileiro. É muito alegre, é por ser brasileiro; é muito amigo, é por ser brasileiro; é mal educado, é por ser brasileiro; é pouco estudioso por ser brasileiro. Pois aquele auditório em cujas paredes reverberava a voz daquele antropólogo da UFRJ estava repleto portugueses, e eles todos, ao fim, diriam que palestrantes brasileiros não sabem propriamente expôr o conteúdo de uma pesquisa na qual eles mesmos participaram. (Ora, não todos, mas vocês entenderam.) Ora eu, bom, eu pensava outra coisa.
Eu pensava, sem ver estampados no rosto de barba bem feita daquele senhor dos seus 50 e poucos anos o retângulo, o losango, a bola e a faixa, que era uma pena que não pudemos ter uma palestra "decente". Olhos todos temos, poderíamos todos (ou quase todos) estar sentados ali, numa cadeira ligeiramente mais confortável que a nossa, a ler um texto para umas 60 pessoas; pensava que já tive exposições e exposições de conteúdo por outra antropóloga brasileira que sabia plenamente como manter um assunto interessante por duas horas; pensava que ele poderia ser um bom antropólogo, pesquisador e, certamente, leitor, mas era um fraco palestrante.
E, como era mais que natural, a certa altura da palestra a chuva de pessoas começou. Desciam, primeiro uma, depois duas, depois três, depois o mundo, das suas cadeiras e iam atravessar a sala em busca da porta, salvação mais próxima. É que pouca gente se presta, às 19h de uma noite de 14ºC, a uma aula mais maçante e modorrenta que o verão desse ano, de que eles (os portugueses) tanto se queixaram, nem que, nessa sala de caideiras duras cor de vinho, a temperatura seja regulada.
Eu fazia parte daqueles que permaneciam sentados ouvindo-o ler(e vale a pena ressaltar que é isso que os pais fazem para as crianças para pô-las a dormir), daquelas caras-folha-em-branco que não absorviam basicamente nada a não ser as piadinhas contadas por ele como quebra da monotonia textual e que eram todas, tragicamente (ainda que fossem cômicas), ligadas à parte informal da pesquisa, que ele constantemente ilustrava com "as reuniões no armazém do seu Zé" ou "o engradado de cerveja que eu tive que dar por ter perdido tal aposta".
E, ainda, havia aula das 20h para pegar, à qual eu não sou freqüentadora, mas que teria de ir hoje para repôr a das 10h da manhã à qual não fui porque a outra brasileira que conheço resolveu me informar, erroneamente, que não haveria.
Que azar.

Um comentário:

  1. brasileiros só fazem merda, eu concluo. hehe

    gosto de estar neste pacote.


    adorei ler o post. :)

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