22 de outubro de 2007

Sobre passos, agarros, arranjos, descasos

Quando a quentura escala seu pescoço, turva, pesada, lenta, e nesse ponto você engole um caldo quente, que te lava o que encontra pela frente, e escorrega por tudo, carregando ondas.
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Seu corpo e o meu, e os centímetros. Meu estômago nas alturas, mas, na realidade, na altura do seu. Seus pés e os meus, chutando-se. Eu piso para frente, e bato no seu calçado. Você pisa para trás, e bate na parede. Que parede? Não há nada, você só não quer recuar. Quer ficar no mesmo lugar, mesmo espaço, mesmo espaço que eu, se der. Eu sei que disseram que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, mas estamos perto disso. Tenho pena dos centímetros que esmagamos entre nós. Mentira, não tenho. Tenho pena de nós, que não estamos nunca no mesmo lugar.
Suas mãos nas minhas costas. Acho que estão nelas, pelo menos estavam um segundo atrás. Tenho sorte de descobrir cedo assim que você corre tanto: se descobrisse mais tarde, talvez corresse de mim. Mas agora corre em mim, corre, e espero que não encontre fim. Sempre gostei das suas unhas. Não me pergunte, sempre gostei. Sempre quis tatuar, também, e a combinação das suas unhas e da minha pele está-me fazendo economizar o dinheiro que eu daria ao tatuador.
Nem darei dinheiro a ti. Não hoje nem amanhã, só se amanhã for um fim mal arranjado dessa nossa intensidade, e eu te pague pelo trabalho bem feito, na ira do meu amor. Mas não quero, nem estou pensando. Estou pensando nos seus cabelos nas minhas mãos, e nem sei como chegaram lá. Seu cabelo está por tudo. Tenho-o no rosto, nas mãos, no corpo. Você tem graça. Eu a adoro. Quero rir, quero mesmo, mas cada vez que arreganho os dentes, você arreganha os seus, e descubro o quanto gosto dessa nossa briga.
Sua mão aperta minha cintura. Muito, tanto. Amém, dedos opositores. Acho que quem arranha agora sou eu, mas nem sei onde. Mal vejo. Meu rosto no seu pescoço, enterrado, e seu cabelo por cima, tentando esconder, como você me esconde, como eu te escondo, em mim, em ti, em tudo. E tudo é vidro. Que fracasso. Que fracasso? Penso, talvez, sucesso. Mas só talvez. Só talvez fracasso. Acho que quero criar-te guelras, do jeito que te mordo. Acho que quer implodir-me, do jeito que me aperta e abre a boca, sem saber se o prazer é seu ou meu.
E adoro o cós das calças. Você agarra o meu e puxa-o para si. Eu rio, e você engole meus sons. Você tenta controlar. Controla-te o meu descontrole. Não adianta. Eu também queria que fosse mentira, mas dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, mas você ocupa-me já por completo. Eu abri todos os poros e você selou-os consigo, e conseguiu deixar-me respirar ainda. Suas mãos ainda passeiam pelos jeans. Acho que as minhas também. Seu botão estapeia o meu. Ouço o som, você também. Ouço meu riso, o seu, sua respiração, a minha, seus passos, agarros, arranjos, descasos. Ouço meu pé batendo nalgo. É só um meio fio, não é parede, está longe do fim.

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