26 de abril de 2010

Sonata ao Luar

Com calma entendi que não chegaria lá. Fui fazendo de tudo, e à medida que o braço ganhava mais centímetros e quase se descolava do ombro, fui percebendo que o stress da articulação já tinha atestado a vontade. Toda a minha preocupação, faz sentido, não tinha uma bola de cristal. Oceanografia prática me fez ver que há lodo lá no fundo, misturado às feofíceas escondidas, cobrindo as rodofíceas do que parece ser um amor morto. Meu escafandro colorido de cobre não cobre nada, e eu, sentada no fundo, espero que, levantando do substrato desse chão frio, você se sente na minha frente, como uma múmia que se ergue do sarcófago, como um zumbi, como cleópatra triste. Você é uma cleópatra triste. Eu te tenho todo o tempo do mundo, mas seu mundo, enquanto deitado sob esse lodo gelado, pode ser que não levante. Você é como os dinossauros do McDonalds que brilhavam no escuro. Você é como a antiga rodinha do meu hamster, meu pião na caixa de brinquedos, meu carrinho de fricção quebrado e todas essas coisas quentes que já esfriaram. A sua morte existe dentro, e eu percebi, nesse assomo de tristeza e calma, que eu não posso fazer nada. Movimentar-me à superfície carregando seu corpo não fere, movimentar-me à superfície carregando seu corpo te fere, como os suicidas que teriam conseguido o fim se alguém não tivesse entrado no apartamento. Então, daqui, contemplativa, fico olhando seu continuado fim. Como um kit de sobrevivência, pego livros de pintura e talvez um bicho de pelúcia; alguma coisa sua com a qual não me identifique, pra entender o porquê de lhe deixar só brincar quando quer. Eu sinto sua falta, é óbvio, mas, com todo o respeito aqui do silêncio do alto do meu monte, vejo mais do que se estivesse no turbilhão da cidade, a exemplo de Caeiro, porque meu monte é mais alto do que meu arranha-céu. E eu não quero que nenhum barulho mais arranhe a quietude do seu sofrimento inexorável.

3 comentários:

  1. eu tava ouvindo uma música que chama Skyscraper enquanto lia. combinou tanto. surreal. é do julian plenti.

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  2. e seu post ainda termina com arranha céu. mais uma das junguianas da vida a me atormentar, rs.


    olha, eu amei esse post. eu amei mesmo e de verdade.

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