"Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o universo não tem ideias." F. Pessoa
18 de junho de 2011
12 de junho de 2011
Estando em casa
Entrou em casa, um silêncio macerado. Nenhum móvel falava. Atentos, acompanhavam por onde iria, onde tocaria e qual seriam suas primeiras palavras. Uma das almofadas achou que não ia suportar, mas quando ela passou da sala para a cozinha, conseguiu desprender o ar. Encarou, nervosa, o rack da tv que, complacente, a observava de costas, lenta, passar pela geladeira. Passou uma das mãos pela máquina de lavar, alisando a palma, como um carinho que viesse de repente. No quarto, a mesa, a cama, o armário, cúmplices, disputavam serem eles os protagonistas daquela dor. Silencioso, o armário se manteve impassivo, não olhava para lugar nenhum, permanecia estático, de cima a baixo, gelado e sem propósito. Algumas imagens esgueiravam-se pelas beiras, querendo voltar e observar o meu adeus, como eu sofria, se sentaria, deitaria, ou continuaria o trajeto até o banheiro sem propósito algum. Algumas pernas conseguiram chegar às beiradas, e me viram encarar a mesa e enxergar sem decisão o travesseiro verde. O ar condicionado se escondia atrás da cortina, reservado. Não queria uma palavra, nunca quis. Vivia sozinho e sofreria sozinho, cada um que se virasse ali com o próprio penar. Já o bicho de pelúcia, coitado, sofria, sem colo, desesperado, sua mudez já uma realidade insuportável, tantas coisas que poderiam ser ditas para o consolo do dono, ou simplesmente quem sabe aprender a fazer pipoca e se predispor a assistir filmes. A cama box pôs-se à disposição caso ela quisesse dormir ali dentro, prometeu que não a engoliria se não quisesse. O insufilme na janela pediu desculpas por ser espelho; a tranca, tão triste estava. As luzes da sanca ao redor do teto cochichavam entristecidas, altivas, espectadoras como sempre, tão atenciosas. O próprio ventilador sentia o peso de um ar inchado. Os peixes anti derrapantes no chão do banheiro pediram que ela confiasse em sua cor amarela. As calcinhas penduradas para secar eram avessas à situação. Não ofereciam apoio, não concordavam, e se esforçavam para fazer volume com sua discordância da tomada decisão. O travesseiro verde abriu os braços. Bondoso, recostou a cabeça sobre a sua, e fez carinhos na altura do queixo. Disse-lhe: oh, meu bem, sofra, resigne em mim a intransponível dificuldade de amar.
8 de junho de 2011
Era um altíssimo caminho entre o chão e o batente para vê-la pelada. Tinha certeza de onde estariam os peitos, a curvinha do lados da barriga, até a descida oferecida do caminho do corpo para a calcinha. Mas o problema é que tudo isso ficava detrás do batente. E o batente, alto, não tinha fim. Pôs quatro dedos. Mais quatro. Um músculo realmente forte que deveria ter nas mãos precisava ser acionado: o objetivo era concentrar energia e subir o peso todo por aqueles oito dedinhos. Não deu.
2 de junho de 2011
A manhã, lenta, abriu seus olhos contra mim. A máquina dava um ar nostálgico ao meu sono modorrento; havia passado duas horas negando que já queria acordar. A música tocava como resquício da minha leveza. Não faço às vezes caso de abrir os olhos direito. A linha entre preguiça e pessoalidade se confunde com a vontade de não ser.
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