13 de maio de 2008

Sobre a vida em double-decker buses e fora deles

Que sentada donde está, na minha diagonal traseira, lê sobre meu ombro os caracteres da sua língua mãe ordenados de tal forma que não fazem sentido, e quando bate as esferas cansadas sobre Brazilian News, reconhece algo que não códigos que não entende. Olha para a esquerda possivelmente, lançando o olhar para o mundo que ainda gira do lado de fora do ônibus, e o ônibus também gira, e sua cabeça e a minha, mas ela acha normal. Estranho acharia se nada girasse. Olha para o verde que se estende de nós até o Palácio de Buckingham que não vê mas que sabe onde está e observa alguns corpos esticados sobre a grama e as cadeiras de sol dispostas como se também elas estivessem aproveitando o calor atípico que Londres tem visto na última semana. Entra na rotatória e lança um olhar corriqueiro para o Arco de Wellington, sem achar grandes coisas porque é difícil, maldição, espantar-se continuamente com o que não é mais novo. Abre um jornal já um pouco amassado só por existir, como ela, e escaneia mais uma notícia denunciando as peripéricias de Amy Winehouse enquanto ainda, ou já, era madrugada. Se surpreende de leve que ainda chamem isso "news" e vira a próxima página, cuidando para não invadir o espaço do desconhecido ao seu lado, que olha pelo vidro como se o ônibus fosse mais uma prisão e como se sentar-se à janela fosse sua única forma de conseguir "um lugar ao sol", mesmo que, como dito, Londres tenha feito clima de verão. Ao meu lado a programação da semana caminha pelos dedos de Mariana e descobrimos que há algo brasileiro amanhã, roda de samba ou qualquer coisa que tenha o gosto de casa, e me pergunto porque todos procuramos por pedaços de familiaridade estando imersos no desconhecido, e a resposta parece óbvia, mas não é. Santa Cruz quer autonomia da Bolívia, diz o jornal no meu colo, e mesmo que a escrita dele seja pobre, me serve de algo. O pensamento voa - nunca descobri como prendê-lo - e de repente me encontro confabulando planos de vida, a maioria, se não todos, satisfazendo minha procura por completude. Penso em tudo que deixei para trás e estou deixando com um sorriso que não sai e reencaro algumas escolhas e acho bonito que as queira abraçar agora, acho bonito que as queira abraçar de todo, é sempre tão fácil crer que os braços não são longos o suficiente para dar a volta completa em algo. Tento esticar os pés e lembro que estamos sentadas na primeira fileira de bancos e não há espaço suficiente para o meu expansionismo. O pescoço ainda dói da ousadia de ter dançado como se meu corpo estivesse acostumado sábado à noite. E é lógico que repetiremos doses, não há forma melhor de embriagar-se. Chelsea passa à minha direita; Caetano Veloso e Gilberto Gil já viveram exilados aqui, marinheiros sós, e hoje o lugar é dos mais caros de Londres. Em casa são quase oito e o sol ainda dança lá fora, repetindo doses há anos para perpetuar nossa embriaguez.

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