17 de janeiro de 2010

Um dia, eu não sei se aconteceu com vocês, eu me perdi. Eu pensei que todo amor, toda aventura, toda a desgraça e tudo o que não existe fosse caber em mim, fosse fazer parte de mim, fosse dormir sob a égide do meu conhecimento. Tudo que viesse ao meu conhecimento estaria subordinado a ele, tudo seria menos que a minha consciência, tudo seria meu. Até o dia em que eu fui traída. Nada parou de trabalhar, meus nervos, meus músculos, meu cérebro, tudo continuou perfeito. Tudo ainda se enquadrava na perfeição que os gregos desenvolveram para que fosse possível viver. Até o dia em que não mais. Era algo que se encaixava em tudo, nas leis da físicas, nas leis do universo, no meu colo. Tinha voz de homem, ser humano, e se a cabeça era esquisita, é porque era da mitologia. E se eu não conhecia a mitologia, eu certamente já tinha ouvido falar dela. Era algo que era nada. Era menor que eu, era simples, era uma equação de aminoácidos, de poeira, de qualquer coisa. Era simples. Era tudo. Arranharia meu rosto, se quisesse, mas não queria, era maior que eu, extravasava meu corpo, era gigantesco, era uma dor nas costas. Todo o resto virou uma ratoeira sem ser. Minha cama, meu caderno, meu não acordar. Tudo não era mais meu. Havia, ao meu redor, a aura da minha submissão, dos meus joelhos dobrados, ainda que eu permanecesse em pé na fila longa da lotérica. Não era uma questão de beleza. Há anos a beleza jazia fodida num córrego sujo de uma cidade do interior. Filha de alguém. A beleza era nada, nem mais nome próprio. E me prostrei de joelhos, duros e doídos, à margem e mercê de um ser ridículo, franzino e feio, como um doente, na minha frente, vestido, mas com pouca roupa, com algo que poderia ser nojento. Com a cabeça baixa, deitei, dormi, nada poderia fazer a não ser amá-lo, deixar que passasse sobre mim tudo o que era, sua elevação, sua transcendência, e ele, pequeno, não sabia que era grande. E quando soube, seu choque de Deus era a coisa mais feia que se poderia ver, natural e humana, era um deus feio e cedo, um deus humano, impiedoso e voluntarioso, mas me tinha, e fim. Quando chorei, deus riu e disse, com sua voz humana retumbante, eu sei e sinto muito. Mas me amou, para sempre e muito, e queria morrer em mim, mas ia me ver morrer antes, e ia sofrer por me ver menor, ia sofrer por achar-se menor, ia-me ver ser despejado no esgoto com os ratos; e ia querer se matar.

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