Quando passou a mão sobre a capa do livro, foi muito mais a distração provocada que a condição alongada dos dedos que me chamou a atenção. Eu olhava a capa concentrada e aquela invasão de privacidade imprevista se transformou num súbito e muito áspero arroubo de indignação no meio da garganta. Ao subir os olhos para protestar, você, já de perfil, partia rumo a outra prateleira, distraída em si mesma. Eu sequer havia estado ali, embora ainda estivesse. No pé da cabeça, visível abaixo da orelha esquerda, alguns pelos faziam o caminho contrário à gravidade e subiam pela nuca, misturando-se, escondendo-se, tornando-se cabelo. Que mania irritante de arrastar os dedos pelos livros, pelas lombadas, mexer nas folhas. Deveria ser impossível em um museu. Mas, à medida que passeava, tocava uma ou outra lembrança, uma ou outra personagem antiga, um ou outro debate, desapontamento, descoberta, e foi, de paixão em paixão, mexendo nas minhas coisas passadas.
Tinha o mesmo comportamento insistente quando atenta. Quase sempre silenciosa. Ao sair com um livro a tiracolo pelas portas de vidro, procurando lugares vazios nas mesas do sebo, havia apenas a cadeira à minha frente, uma mesa escondidinha atrás da pilastra distante do caixa e, embora eu insistisse muito à santa que me deixasse ler sozinha e me tivesse apressado em ocupar aquela vaga com a mochila, ela pediu assento. Assentou-se. Me entregou a mochila sem muita cerimônia. Lia concentrada, não havia falado mais nada, e arrastava a ponta dos dedos compridos pelas bordas das folhas, mexia na margem como se as contasse, como se quisesse movimentar aquelas animações infantis desenhadas no cantinho. Abria a orelha do livro, fechava, segurava-o de quinze formas diferentes em um mesmo minuto. Se lia, não sei. Eu não lia. Achei de comentar sobre o poeta que ela escolheu, porque me incomodava muito o movimento dos seus dedos e eu queria perturbar alguma coisa naquela ordem. Nunca tinha ouvido falar do poeta. Sorriu brevemente, embora não quisesse, e não respondeu. Dentro em pouco abriu a orelha do livro de novo, o poeta era uma mulher. Me olhou quando pedi uma cerveja ao garçon, e pediu uma também. Justificou-se que estava de bicicleta e apontou com a cabeça a magrela em um poste do outro lado da rua. Estou a pé.
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