22 de novembro de 2010

O ponto final sem dois

Passou pela minha veia tortuosa, pela aglomeração dos meus coágulos de ódio todo o veneno que eu pude reter no meu sangue azul. Escorregou pelos meus dedos, que amam, o seu pescoço franzino, e a sua carne que eu já pensei em vender no mercado. Hoje nada me olha acima da copa das árvores, nenhum vulto, nenhum abutre que, pensando em voar, despencaria descuidado com uma corda no gogó que pretende masculino. Estou aqui para mimar o garoto que você já não pode ser. Para aceitar as suas violências e as suas brutalidades contra a minha personalidade aveludada. Eu estou aqui porque vendi minha alma por amor, porque o preço era de graça. Eu posso aceitar os seus socos e os seus pontapés, a sua virilidade mole e indesejável, a pobreza dos seus trejeitos, a raleza dos seus cabelos e a baixeza da sua classe social. Eu estou aqui por conta da primeira ratazana que eu vi, e tive pena. Estão rasgados em mim os músculos que se esticaram demais, algumas cartas de baralho e a minha memória que resolvi declarar rota.
Estou de tal forma desfeita das minhas mãos firmes que não sei o que estou, não estou nada, nem sou, e não penso. O meu coração, com todo esse esforço, se pudesse acelerar, aceleraria. Sinto o ar prender nos ventrículos, como se recusasse pulsar e continuar com essa aceitação letárgica cuja justificativa esqueço ao manter em mente - amar, enfim, tem o seu preço. Uma surpresa insuspirável.
Eu aceito que você traga os seus podres para a minha mesa e olhe para mim. Eu aceito que você me respire. Eu aceito que você erre, que você exagere e que você me esforce. E eu aceito, com a maior concessão que eu poderia fazer de mim, que você me toque. Está dito, não me peça para lhe relembrar.

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